A dor e a delícia de ser emergente - Editorial

Por Carlos Borges

Brasil-economia

Que o Brasil é potência econômica emergente, ninguém mais duvida e muito poucos ainda discutem a nova posição do país, internacionalmente.

Pelo mundo afora, o espetacular desempenho da economia brasileira é motivo de análises intensamente positivas, elogios, inveja, etc.

Sem a menor dúvida, dá muito mais prazer e orgulho ser brasileiro e conferir como nosso país passou a ser tratado e retratado no exterior.

Os tempos em que o Brasil era mostrado apenas por violência, abismo social, paraíso sexual e império do binômio carnaval-futebol, parecem definitivamente coisa do passado.

Num tempo em que 75% do planeta estão entre afogados na crise (como a Europa) ou, no máximo, somente agora “botando a cabeça fora d’água” (como os Estados Unidos), a performance econômica do Brasil é, de fato, notável. E, como é característica de nosso povo, o ufanismo está tomando conta do país, como se estivéssemos ganhando a “Copa do Mundo dos Emergentes” .

Nada de errado em se estar feliz e eufórico com o momento do país, mas é bom que se alerte, para que essa prosperidade deixe de ser limitada a campos da economia e se traduza em efetiva melhoria de qualidade de vida e de indicadores sociais importantes. O Brasil, como um todo, governo, empresários, lideranças de todas as áreas e, sobretudo, a população, amadureçam no sentido de encarar os enormes desafios e riscos que estão a nossa frente. O governo brasileiro tem, pelo menos no papel, um Plano Nacional de Desenvolvimento que, se cumprido, significaria avanços relevantes no que mais somos carentes nesse momento: grandes intervenções nas áreas de infraestrutura, atacando setores em que o Brasil está muito atrasado em relação a seus “colegas” emergentes.

É claro que nosso país segue vivenciando um importante avanço social nas camadas mais pobres da população. Os programas de governo, nos últimos 10 anos, geraram 30 milhões de novos consumidores com acesso a bens materiais e isso gerou, seguramente, um impacto positivo em índices de qualidade de vida. Isso parecia impensável anos atrás. Mas, é preciso reconhecer que a euforia de uma maioria acostumada a ver o Brasil sempre como “pátria de chuteiras”, certamente está eclipsando a realidade.

Ninguém, com um mínimo de bom senso, imagina que apenas com ascensão econômica conseguiremos forjar um país mais justo e humano.

Uma de nossas maiores vergonhas, uma vergonha histórica, da qual nenhum governo escapa desde os tempos da ditadura militar, é o esfacelamento do sistema educacional brasileiro em todos os níveis.

Sou de uma geração que se orgulhava de ter o ensino público de excelente qualidade no Brasil e o ensino particular era apenas um recurso do “pagou-passou” para atender aos “filhinhos de papai” entediados e de péssimo rendimento escolar. Há muito, o ensino privado no Brasil, que segue não sendo lá grande coisa, supera amplamente em qualidade o ensino público. Esse fator, por si só, amplia consideravelmente o abismo de qualidade e oportunidades entre os que podem frequentar as caríssimas escolas particulares, e os que só têm mesmo como opção as escolas públicas. No setor universitário, o problema tem contornos mais dramáticos.

Numa tentativa de “produzir universitários em massa”, tenham ou não uma formação de qualidade, os sucessivos governos, desde Sarney, passando por todos os demais presidentes, deixaram acontecer a multiplicação das universidades privadas.

Esta é uma indústria caca-níquel que faz exatamente isso: “despeja”. Centenas de milhares de profissionais desqualificados, a cada seis meses, num mercado de trabalho que, por conta da própria economia de vento em popa, precisa de profissionais qualificados, cada vez mais e mais.

Ao não prover o mercado empregador dos profissionais qualificados que a atual economia brasileira exige, o país corre o sério risco de ver esse mesmo desenvolvimento “travado”, já que a importação de profissionais do exterior, que já está acontecendo velozmente, não irá suprir essas lacunas.

Este é um grande problema.

Segurança pública é outro câncer na sociedade brasileira.

Aí o progresso não chegou de forma alguma e não há como nos sentirmos “candidatos a primeiro mundo” se seguirmos vivendo reféns de uma atmosfera hostil e perigosa, não apenas nas megacidades do país, mas rigorosamente, em grus diversos, em todo e qualquer ponto do Brasil.

A seguranca pública precisa ser tratada pelos poderes públicos municipais, estaduais e federais, com um mesmo senso de urgência que a educação. São setores que estão lado a lado com urgências urgentíssimas de um Brasil que não quer apenas crescer nos números e nas estatísticas, mas sim, num sentimento real de conquistas sociais e de cidadania, para que sejam a educação e a segurança pública, as plataformas ideais para que se combata outro grande inimigo do Brasil: a corrupção.

Na mesma medida que queremos Copa do Mundo e Olimpíadas, deploramos o fato de que o país possa vir a preparar apenas uma “reforma de fachada” para fazer bonito em frente aos torcedores que nos visitarão em 2014 e 2016. O Brasil e os brasileiros, potência emergente, merecem que a qualidade de vida, representadas pelo ensino público e segurança, sejam tão ou mais prioridade do que belos estádios.