A ignorância e a verdade

Por Adriana Tanese Nogueira

“A ignorância domina. Prefere-se confiar cegamente em alguém que dê tudo mastigado e venda seu produto como “verdade”, do que averiguar, pensar com a própria cabeça” Vivemos hoje em um estranho mundo. Parece que a falta de conhecimento é o que está na moda. Não saber é OK. Saber pode não ser, aliás, melhor se manter cego. O objetivo dessa atitude é manter intato o mundo de fantasia que nos dá a sensação de segurança, protegendo-nos contra a dúvida e o desconhecido da vida. Essa busca por “tranquilidade” de espírito é claramente obsessiva visto o tamanho da ignorância proclamada em alto e bom tom como se fosse uma virtude. Dois pesquisadores estudaram o paradoxo moderno. O “efeito Dunning-Kluger” (do nome dos dois) é um fenômeno atual segundo o qual “quanto mais a pessoa é ignorante, mais ela está convencida que não o é”. Portanto, hoje os ignorantes são os que têm certezas. Ter certezas é delicioso. Imaginem só não ter uma sequer dúvida sobre o certo e o errado, o bem e o mal. Imagine como não é viver sabendo-se certo. Sabendo que estamos do lado certo da história, que “Deus está conosco”. Imaginem que delicia... Não é preciso raciocinar, não é preciso correr atrás e se atualizar, não é preciso ler! Não é preciso pensar. Estamos protegidos da dúvida, que como se sabe é do demônio. Na certeza somos ninados e mantidos no cativeiro da infantilidade de pensamento e na total ausência de inteligência emocional. Evitar saber à custa da verdade, do bom senso e até da saúde! Os que duvidam das nossas certezas e as desafiam são demonizados, desumanizados e reprimidos o mais possível. Protege-se o transe das certezas inquestionáveis com todas as forças e o armamento possível. As fantasias são de tal tamanho que até as relações afetivas entram em segundo lugar. Infelizmente, porém, a verdade é uma coisa que, como foi dito por alguém que muitos dizem amar e adorar, liberta. Só que a tal liberdade vem como num parto, após um “trabalho” – trabalho que dói. Dói porque é preciso antes abrir mão das convenientes balelas. É preciso desapegar das fantasias infantis, dos sonhos que ninam e mantêm pequenos, num mundo pequeno, seguro, confiável, controlável. A verdade liberta para o mundo grande e por isso requer espíritos fortes. É necessário saber digerir a verdade, incorporá-la, assumí-la e assim crescer. Evoluir. É preciso ser adultos, pessoas psicologicamente adultas, o que não depende de forma alguma da idade biográfica. José Saramago, prêmio Nobel pela literatura em 1998, disse preocupado que “a ignorância está se espalhando de forma aterrorizadora”. Não poupa nenhum âmbito da sociedade. A ignorância domina. Prefere-se confiar cegamente em alguém que dê tudo mastigado e venda seu produto como “verdade”, do que averiguar, pensar com a própria cabeça. Pensar dá trabalho. Pensar cansa e sobretudo nos deixa desestabilizados diante do que vemos: que a realidade é complexa. Pessoas são complexas, relações são complexas, sociedades são complexas. Somente uma mentalidade infantil reduz o mundo a bons e maus, a branco e preto. Pensar não é colar etiquetas prontas sobre problemas vivos e complexos. Isso é repetição de slogans prontos. Arrotar preconceitos para barrar o raciocínio. Qualquer relação para funcionar precisa de indivíduos conscientes, sensatos, honestos. Isso vale tanto para o relacionamento a dois como para aquele familiar, de grupo e social. Pensar criticamente é o tempero para a criação de qualquer contexto criativo e acolhedor para um grupo existir em harmonia. Está na hora de crescermos para a idade adulta e abrirmos mão do sonho infantil. Pai Noel não existe, nem o Príncipe Encantado, nem a Branca de Neve...