A “paulada” que vem de Boston - Editorial

Por Carlos Borges

Como se fosse possível piorar ainda mais o panorama de poucas perspectivas para os imigrantes indocumentados nos Estados Unidos, o Estado de Massachusetts, que no passado exibia uma das mais liberais políticas com relação aos ilegais, está pronto para ingressar no time da “caça às bruxas” e endurecer ainda mais a vida dos indocumentados.

Se o projeto apresentado pelo senador republicano Bruce Tarr - um antigo ativista contra os imigrantes - na segunda-feira, dia 24 de setembro, no Senado Estadual de Massachusetts, for aprovado, haveriam punições muito severas para quem empregar indocumentados. A polícia poderá não só investigar o status imigratório de qualquer um que cometa infração no trânsito, mas também estenderia as punições até mesmo aos contribuintes e repartições públicas. O projeto não tem “meias palavras” e identifica os imigrantes indocumentados como pessoas que devem ser discriminadas, denunciadas, e confere às autoridades municipais e estaduais amplo acesso aos dados de todo e qualquer imigrante, como forma de identificar possíveis crimes e transgressões.

O projeto é muito semelhante ao Programa de Comunidades Seguras que vem causando polêmica em diversos estados, já que fragiliza enormemente aposição dos indocumentados. A proximidade das eleições presidenciais em 2012 está motivando um radicalismo ainda maior por parte dos setores mais conservadores e anti-imigrante do Partido Republicano. E o Partido Democrata, que em anos recentes se mostrava – pelo menos na aparência – mais “simpático” à causa dos ilegais, está calado, temeroso de que, em uma economia em crise, o sentimento anti-ilegais por parte dos americanos, seja um fator determinante no voto. O governador Deval Patrick, que já vetou a aplicação do Programa Comunidades Seguras, no Estado de Massachussets (onde acredita-se vivam mais de 300.000 brasileiros), vê sua posição liberal ser constantemente “bombardeada” pelos oposicionistas.

Se por um lado as notícias de “endurecimento” surgem a toda hora, não se escuta nada alentador pelo lado dos que tradicionalmente defendem a causa dos ilegais. Obama, para os imigrantes que o ajudaram – e muito – na vitória em 2008, tem sido uma grande decepção. Os discursos foram bonitos e emocionantes, mas o famoso “governo da mudança” deportou, em 3 anos, dez vezes mais indocumentados que o governo Bush, em 8 anos.

Parece que Obama “pendurou a chuteira” da defesa dos ilegais, ao perceber que a economia combalida está sendo o pior inimigo possível em sua corrida pela reeleição e que defender imigrantes ilegais nesse momento poderia ser o equivalente a um “suicídio político”. Ou seja, faz-se o que é bom para as urnas e péssimo para o país e para os 12 milhões de indocumentados e suas famílias que vivem um dos períodos mais negativos da recente história do país. Massachussetts sempre foi um exemplo de avanço, liberalidade e progressos nas causas imigratórias. Mesmo sendo um estado de forte base sindical – e os sindicatos estão mais contra do que nunca a uma política de legalização em massa.

O mais recente “campeão” da causa dos indocumentados vinha sendo o Senador por Massachussetts, Edward Kennedy. Mas desde o seu falecimento, há dois anos, a causa deixou de ter defensores expressivos, excluindo apenas os congressistas que têm sido eleitos pelos eleitores latinos em estados como Colorado, Caifórnia, Texas e Novo México. Nesses estados, a realidade econômico-social é bem diferente da região da Nova Inglaterra (Massachussetts, Connectticut, Rhode Island e New Hampshire), severamente atingida pela crise econômica e onde as populações imigrantes são mais “guetizadas”, ao contrário do meio-oeste norte-americano. Com penas severas para quem se envolve em qualquer das “pontas” dos documentos falsos (provendo ou utilizando), dando poderes excepcionais a policiais, eliminando qualquer possibilidade de acesso a educação por parte dos ilegais e seus familiares não nascidos nos EUA, negando assistência médica e hospitalar, entre outras medidas anti-humanitárias, o projeto do Senador Tarr é um golpe duríssimo.

E como Massachussetts é um estado que tem enorme poder de influência e liderança em todo o país, essas medidas podem facilmente chegar a toda nação, muito rapidamente. Nesse momento, as vozes que clamam em defesa de uma enorme população de gente honesta e trabalhadora, parecem tristemente isoladas. Se não é o caos, é algo muito próximo, já que as condições de sobrevivência e de alcance do hoje esmaicido “sonho americano” são cada vez mais madrastas. Não arriscaria dizer que, para os imigrantes indocumentados, “o sonho acabou”. Até porque conhecendo a dinâmica da política e da história deste país, sei que reviravoltas incríveis, realmente acontecem. Mas parecem não ter limite a crueldade e o oportunismo político.

O imigrante indocumentado – e entre eles estão centenas de milhares de brasileiros - virou mesmo “bucha de canhão” em uma guerra que nunca foi sua. O sonho pode não ter acabado de todo para todos. Mas a ação dos inimigos dos imigrantes indocumentados está fazendo tudo o que pode, incansavelmente, para arruniar o investimento material, emocional e espiritual de milhões de bravos sonhadores.