A pele ferida. O pedido de ajuda do autolesionismo

Por Adriana Tanese Nogueira

O psicoterapeuta italiano Flavio Urbani, especialista no tratamento de crianças e adolescentes, traduz com profunda sensibilidade a realidade do autolesionismo. Traduzi e adaptei para o público brasileiro. Ferir-se, cortar a própria pele, representa sempre a dor silenciosa de quem sente que não pode falar com ninguém, ou que sabe que não tem ninguém com quem falar. Em ambos os casos, o elemento comum é a presença do sentimento de vergonha: vergonha pelas próprias emoções, percebidas como ilegítimas, sobretudo em um mundo que exige constante e contínua felicidade, ou vergonha pelo próprio corpo, condição frequente em um mundo que roda em volta das aparências. As feridas são sempre um ato extremo contra o próprio sofrimento. São um ato de oposição à dor, sendo a pele usada como lugar para afirmar a própria identidade. Este comportamento, porém, abre espaço à turbulência e ao horror pois escancara as portas da possibilidade da morte, atacando a sociabilidade do corpo. É importante, entretanto, frisar que a lesão voluntária da pele mesmo aproximando-se da morte não tem o objetivo de colocar a vida em perigo. Se trata de um trágico jogo com a morte, imitando homicídio de si próprios. A dor, deixada a si mesma, permanece como uma solicitação não a viver, mas a existir, e isto sobretudo quando o cotidiano está completamente invadido por perturbações e emoções percebidas como não digeríveis. Machucar-se é sentir menos dor em outro lugar, que é o corpo. Quando a alma dói demais, machucar o corpo é reafirmar a vida, a própria determinação a viver e não somente a existir. Em situações de grande sofrimento, quando o mal permeia tudo, se recorre ao concreto extremo, o corpo. É um brincar com o limite, com a tragédia do além, que é desejo de encontrar o próprio sentido no mundo. Agride-se assim aquela membrana, a pele, que separa o eu do outro. Os caminhos interiores do autolesionismo são circuitos carregados de ambivalência, onde se confundem inexplicavelmente dor, necessidades, desejos, medos, paixão e vitalidade. Almeja-se regenerar-se a partir das cinzas de Si. Busca-se uma forma de se recolocar-se no mundo. Recolocar-se emocionalmente. Desafiando a vida, a pessoa que se faz mal confirma paradoxalmente a própria vida e o próprio valor pessoal. Saindo dos percursos comum, que são os percursos dos outros, a pessoa abre um desafio para si e o mundo. Cria assim uma intimidade completamente privada, e aqui habita o paradoxo do se proteger ao se fazer mal. Ao lembrar o risco que a vida corre, busca-se protege-la da morte e se procura-se aliviar a dor do sofrimento. Sacrifica-se uma parte de si para proteger a totalidade de si. A ferida gera identidade e, portanto, acesso à própria profundidade, na tentativa de eliminar o mal. A identidade nasce assim, nesta tragédia, pela contraposição entre interioridade e corpo, numa dicotomia sentida como insolúvel. Se trata do esforço para retomar o controle sobre si próprios, na tentativa de não ser despedaçado. A ferida do corpo é um refúgio transitório, um modo a pessoa encontrar um espaço-conforto, se abrindo à esperança de um diverso modo de estar no mundo. O autolesionismo representa a busca para sair da solidão resultado da percepção que nossas emoções são vistas como sem sentido e, portanto, não podem ser partilhadas e comunicadas. Drama da completa solidão. Na laceração da pele está o sinal da necessidade da comunicação com o outro. E é tarefa do mundo não somente aprender a ler os sinais como se abrir para o diálogo da tradução, que é encontro de almas e corpo (intimidade e pele). Tradução que reconhece o à diversidade, rejeitando toda uniformidade estéril. Fonte: RadioKafka.it