A verdade, a mentira, a cura

Por Adriana Tanese Nogueira

A lenda diz que um dia a Verdade e a Mentira cruzaram o caminho. - Bom dia, disse a mentira. - Bom dia, respondeu a verdade. - Que belo dia, disse a mentira. A verdade deu uma olhada para fora para conferir se era verdade. E era. - Belo dia, disse então a verdade. - O lago está ainda mais bonito, respondeu a mentira. A verdade olhou para o lago e viu que a mentira dizia a verdade e fez sim com a cabeça. A mentira então disse: - A água é ainda mais bonita. Vamos nadar. A verdade passou os dedos na água e ela estava realmente muito bonita e confiou na mentira. Ambas se despiram e nadaram tranquilas. Um tempo depois, a mentira saiu da água, se vestiu com as roupas da verdade e foi embora. A verdade, incapaz de vestir as roupas da mentira, começou a caminhar sem roupa e todos ficaram horrorizados de vê-la assim. Assim é como ainda hoje as pessoas preferem aceitar a mentira camuflada de verdade do que a verdade nua. No mundo das aparências e da manipulação das imagens como o que vivemos, a verdade, sendo nua, singela e modesta, apavora as mentes viciadas em fantasia e fingidas complexidades. Nem mesmo terapias e espiritualidade nos salvam. A moda generalizada consiste basicamente em evitar a verdade porque esta é embaraçosa. Sua nudez mostra a nossa, com impiedosa clareza. Se por um lado estamos diante de uma busca coletiva por autodesenvolvimento e autoconhecimento, por outro essa busca é sabotada pelo medo indizível e disfarçado de passar pelo espelho antes. Assim, temos terapias de todo tipo que oferecem curas rápidas e milagrosas, insights inspiradores, respostas certeiras e "transformação do mal", qualquer que seja. E, para encurtar o caminho do real desenvolvimento individual que implicaria estudo, experiência, reflexão crítica, questionamento e mais estudo, experiência, reflexão crítica e questionamento, se apela a revelações que vêm "de cima", ou quem sabe "de dentro", de algum lugar desconhecido e que se quer manter assim. E também há as "práticas espirituais", como yoga e meditação. Estas seriam excelentes ferramentas se não fossem usadas muitas vezes para barrar a verdade de se manifestar. Protegidos em nosso "mezanino espiritual", não somos afetados pelas profundidades turbulentas de nosso ser... Ou, assim queremos acreditar... E o que era para ser uma evolução espiritual vira uma armadilha fantasiosa. As religiões, por sua vez, certas de suas verdades implacáveis, inquestionáveis e absolutas, estão supostamente protegidas da mentira. Bom, isso para quem acredita estar além de questionamentos, ter superado a condição humana, contraditória e essencialmente impura. Diante desse maravilhoso novo mundo de revelações de entidades, de terapias realizadas por formações de quatro finais de semana (ou menos), de crenças religiosas e práticas espirituais elevadas, nos resta perguntar: como é que o mundo está a porcaria que está? Como é que tem tanta injustiça, sofrimento, confusão mental, ignorância e ódio? A pessoa pode crer estar certa e estar no caminho certo, mas assim como seu corpo e suas relações íntimas, o mundo à sua volta conta outras verdades. Viciados em fantasias coloridas e acovardados pela constante fuga de nossas verdades, não temos forças para dar uma olhada no real. Preferimos quartos disneyanos mentais, onde nos sentimos protegidos. Doenças, conflitos relacionais com filhos e parceiros, angústia, depressão, abuso de medicamentos e psicotrópicos, preconceitos, raivas, ódios, solidão, dúvidas desgastantes: continuarão a afligir os humanos. Os atalhos espirituais e pseudo-terapêuticos servem somente a adiar o processo de cura porque a cura é amiga da verdade, e esta exige a nudez total.