Adaptação e saúde mental: aprendendo a discernir o que vemos

Por Adriana Tanese Nogueira

Instintivamente, todos compreendemos que a adaptação ao ambiente externo é a condição indispensável para a nossa sobrevivência. Entretanto, não basta conseguir se inserir no mundo externo, é preciso estar “de bem” também com aquele interior, inclusive porque o sucesso no mundo de fora depende de estarmos bem dentro. Para C. G. Jung (1875-1961), a questão da adaptação é antes de mais nada uma questão psicológica, e ela tem duas interfaces: a adaptação às condições externas (mundo de fora) e a adaptação às condições internas (realidade interior). A saúde mental está vinculada a uma boa adaptação tanto ao mundo externo como àquele interior. Com relação ao mundo externo, as condições que devemos levar em consideração são de dois tipos: condições ambientais e o que ele chama de “juízos conscientes sobre as coisas objetivas”. As “condições ambientais” correspondem à realidade na qual nascemos e crescemos: família, amigos, sociedade, país. Incluímos aqui as condições geográficas, climáticas, raciais, culturais, históricas, educacionais.

“juízos conscientes"

Com “juízos conscientes sobre as coisas objetivas”, Jung se refere a como as condições acima mencionadas são interpretadas pelo coletivo no qual vivemos. E isso inclui as crenças que o nosso grupo social tem: crenças culturais, religiosas, morais, éticas, espirituais etc. Assim, por exemplo, numa sociedade racista, encontraremos a crença segundo a qual a pessoa de pele escura é tida como potencialmente ruim, independentemente de conhecermos seu caráter e todo seu comportamento será interpretado num viés negativo. Estaremos emitindo (verbalizando) ou agindo (em nosso comportamento) um juízo de valor que é parte de nossa cultura coletiva. O dado é objetivo (a pessoa de pele escura), o juízo é consciente e coletivo (assumido, ou seja, atuado). Agora, as condições internas encontradas na adaptação ao mundo interior correspondem àquelas tendências, impulsos, emoções e sentimentos que emergem do inconsciente se impondo à nossa consciência independentemente e até contra a vontade desta. Encontramos nesta categoria os medos inexplicáveis, as fobias, as paranoias, as ideias fixas, as tendências sem aparente necessidade, etc.

Duas realidades

Quando o indivíduo não está bem adaptado a ambas as realidades, a interna e a externa, temos o que Jung chama de “adaptação perturbada ou reduzida”. Quando a adaptação está completa e somente voltada ao mundo externo desconsiderando aquele interior, temos uma perturbação que leva o indivíduo a projetar no mundo de fora suas fantasias interiores. O que acontece é que a energia psíquica que não for investida numa das duas dimensões, irá fluir na única disponível, causando uma “congestão energética”, um excesso de concentração (por exemplo, um foco excessivo, uma mania, uma exageração no engajamento intenso demais em uma das duas realidades) que irá provocar uma “compensação” inconsciente da realidade deixada de lado. Isso significa que, por exemplo, quem não sabe lidar com sua subjetividade irá enxergar no mundo externo questões e problemáticas que nada têm a ver com os outros ou o ambiente, mas somente com ela. Ao contrário, a pessoa que foca somente no mundo interior, terá este invadido pela função do real que terá excluído de si, ou seja, irá enxergar questões subjetivas como se tivesse realidade física. Assim, por exemplo, o hipocondríaco perceberá qualquer sensação interna como uma possível doença do corpo físico. Atualmente, estamos assistindo a uma grande busca pelo autoconhecimento expressa nos diversos tipos de terapias e métodos que surgiram nos últimos tempos. Esta tendência aponta para a necessidade de superar o drama que vivemos hoje em dia em que se confunde tão facilmente a fantasia com a realidade e não se sabe em quem e no quê acreditar. Faz-se urgente entrar em contato com a realidade interior para que despoluamos o mundo externo das nossas paranoias, delírios, fantasias e traumas.