Adolescentes Revoltados - Viver Bem

Por Gazeta News

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Adriana Tanese Nogueira*

Presos em nossos problemas, na correria do dia-a-dia, entre contas, inseguranças, obrigações e aspirações, o adulto se pergunta impaciente e irritado: o que diabo quer seu filho adolescente? Por que ele ou ela é tão difícil? Dá vontade, de vez em quando, de sumir. Afinal ninguém é santo e, às vezes, mesmo que por uns poucos momentos, aguentar um filho em plena “sintomatologia adolescencial” é um façanha que nossos já cansados neurônios imploram para evitar. É então que genitores heróicos dão um profundo suspiro, contam até dez e assumem seu papel - aquele que escolheram doze ou dezoito 18 anos atrás, quando resolveram ter um filho.

Para entender o adolescente começamos por uma metáfora. Quem já fez pão vai acompanhar rapidamente. Imaginemos uma bola de massa para fazer pão (ou pizza), ela não está no ponto, está úmida demais. Gruda nos dedos, na palma da mão e até na própria tigela. Enfim, é uma meleca só. Imaginem a situação surrealista de um dia acordar dentro de uma meleca dessas. Como Belas Adormecidas, vocês viviam confusos na massa, assim a Bela do conto não percebia o mato crescendo à sua volta, as pedras, o chão, o céu. Ela não via nada, estava viva mas “em outra dimensão” (por exemplo, na infância). Aí um dia ela acorda… Um dia vocês acordam dentro de uma massa de pizza pegajosa e grossa. Sentem vontade de mexer um pé, e ele está preso, querem esticar um braço e ele não consegue sair do lugar, querem abrir a mão e os dedos estão grudados uns aos outros… Querem levantar a pálpebra para ver e ela tem cilhos colados…

Imagem a cena acima. Aflitiva, não é? Acrescentem a essa situação seu total desconhecimento dos ‘por quês’ e dos ‘comos’. Os limites que sentem só produzem irritação e impaciência. A ignorância na qual estão mergulhados só aumenta o desconforto. A massa é familiar, quentinha e macia, mas prende a garganta, as ideias, a visão e os movimentos. Há algo errado e não sabem o que é. Só sabem que se sentem horrorosamente presos numa coleira. É mais ou menos esta a condição da adolescência, com a diferença que o jovem tem sua própria cabeça. Alguns de seus pensamentos são exagerados, outros sábios, uns ingênuos e outros preconceituosos. A confusão é diretamente proporcional à intensidade do grude (que depende da quantidade de água e/ou de outros ingredients – ou seja, depende do ambiente familar).

Vejamos quais são os elementos que tornam o grude mais ou menos melequento: 1) Se a família de origem ofereceu um ambiente emocional e intelectual claro e leve, ou seja: consciente; 2) Se os conflitos foram enfrentados e não escondidos debaixo do tapete, inclusive aqueles entre os pais e que nada tinham a ver com os filhos; 3) Se a mentalidade familiar permitiu abertura a novas idéias e experiências; 4) Se o filho, hoje adolescente, foi tratado na infância com respeito, atenção e afeto, e não como bebê ou boneco; 5) Se os pais estão satisfeitos consigo e com suas vidas, ou se têm desejos reprimidos, insatisfação e raivas negadas; 6) Se o jovem pôde cumprir as etapas anteriores de seu desenvolvimento psicológico com relativa liberdade e, ao mesmo tempo, com o acompanhamento ativo dos pais; 7) Se o ambiente doméstico permiteu a diferença, o questionamento dos papéis, a busca por algo a mais; 8) Por último, e somente após ter passados pelos itens acima, deixamos uma incógnita aberta, porque ninguém é completamente decodificável e traduzível. Há sempre um ingrediente individual, que vem da alma da pessoa, e que pesa na balança. A umidade da massa representa a emotividade e os preconceitos. Se vocês observarem ambos produzem uma limitação do movimento (intelectual e físico), são “pegajosos” e irritantes. São absorvidos no ambiente familiar, que as circunstâncias da vida podem contribuir para intensificar. Geralmente, a afetividade é grudenta quando não é consciente, o que aumenta as chances de ser acompanhada por um bolo informe de outros sentimentos, tais como culpa, inferioridade, medo, traumas, etc. A esse respeito, é importante frisar que filhos sofrem as dores dos pais, queiram ou não, saibam ou não disso. Sofrem por eles, têm dó deles e temem serem ingratos ao “abandoná-los” e “traí-los” na hora de crescer. Muitos pais e mães jogam pesadamente com esta carta, porque é fácil e permite ser confudida com o “amor”, uma perfeita estratégia para manter os filhos por perto na hora em que temem perdê-los. Ao sentir-se sufocados, os filhos têm duas opções: deixar-se abafar (e ser “bonzinhos”), ou sair de casa e ir o mais longe possível dos pais. Outro ingrediente que contribue para a massa informe da adolescência ficar mais insuportável são os desejos e as ambições reprimidas dos pais, que os filhos de alguma forma absorvem sem saber. Esta atitude, também inconsciente, produz no filho um conflito interno entre realizar a vida não vivida de um dos pais ou construir a própria. Até o jovem não resolver esta briga interna, salvando a si mesmo e ao amor pelo genitor, não estará em paz. Outro elemento prejudicial é a falta de diálogo em casa. Conversas abertas, honestas e sem censuras ajudam o jovem a se orientar, a entender melhor o mundo, a se situar e, sobretudo, a se descobrir. Infelizmente, muitos pais não têm tempo e/ou condições psicológicas (porque não sabem como ter um diálogo) para estar com seus filhos nesse terreno aberto e produtivo que é a troca. Esses pais, portanto, se limitam a emitir julgamentos, banalizações e opiniões mascaradas de verdades.

A este quadro se soma o complicado mundo no qual vivemos onde a publicidade e a mídia promovem a falsa ideia de que tudo é fácil e ao alcance da mão. O jovem sente desejos que não pode realizar. Oprimido por tudo o que não têm (e que “os outros” parecem ter), se sente angustiado e revoltado. Na agitação, se enrola mais ainda na meleca pegajosa. Além disso, seu desejos flutuam e, se não tiver recebido em casa critérios para distinguir o que vale do que não vale, estará à mercê de suas fantasias, não podendo distinguir uma necessidade profunda, existencial e importante de um enamoramento passageiro ligado a modas.

Não podemos esquecer do corpo. O adolescente se depara com um corpo em crescimento, que é estranho, cheira estranho, pede coisas estranhas, tem vontades impensáveis. Tem pêlos, dores, sangue. O adolescente começa a notar que os outros o olham e começam a enxergar nele um adulto e não mais aquela criança simpática com a qual se pode brincar. Mas é adulto só pelo físico. Pego de surpresa por seu próprio corpo que se desenvolve sem avisar, o jovem se sente inebriado pela perspectiva da liberdade adulta mas, ao mesmo tempo, apavorado.

E, falando em crescer, é inevitável que o pais se tornem os modelos do adulto para os filhos. Neste caso: será que o filho quer ser como o pai e a filha como a mãe? Será que se sentem atraídos pelo que vêem em casa? Talvez o filho não queira ser como o pai ou a mãe porque não gosta do que são e de como vivem, ou talvez está assustado de ver o quanto seus pais sofrem na luta pela sobrevivência e não querem passar pelo mesmo. E será que tem outros modelos de referência para se imaginar “grande”?

Para finalizar esta brevíssima e incompleta análise da revolta adolescencial, devemos tentar imaginar uma alma que sabe de si e que precisa encontrar seu caminho num mundo a primeira vista hostil. Não falo dos amigos e da família, mas do mundo externo, das ruas, dos carros, dos prédios, dos jornais, da economia mundial, das eleições, das fábricas, das multinacionais, das guerras, da camada de ozônio… O adolescente pode não parar para refletir sobre isso tudo, mas está a sua volta, está no ar poluído que respira, nas injustiças que testimunha, nas perguntas sem respostas. Acredito no que James Hillman fala em seu “O Código do Ser”, isto é que nascemos com uma alma que carrega seu propósito. Ela sabe, mas o ego não. Viver é descobrir-se, encontrar-se. Requer tempo.

A adolescência é o momento em que o ego começa a acordar para sua alma e, na grande maioria das vezes, pressente o quanto está longe de seu caminho. Longe porque há uma estrada a ser feita, com várias e imprevisíveis etapas, e longe porque talvez nasceu numa família cujos valores e práticas o mantém muito distante do que ele é por dentro. Esta percepção acrescenta tensão e angústia ao pote já cheio. E ele se sente só. Ser adolescentes não é fácil. É o momento de um segundo nascimento. Quantos jovens têm condições para realizar essa transição de forma positiva e em sintonia com seu verdadeiro eu?

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com