Adriana Nogueira: A criança interior e a sua cura

Por Adriana Tanese Nogueira

Ser criança é uma condição difícil, ao contrário do que os adultos pensam. Crianças não podem sair de casa quando brigam com seus pais ou se sentem incompreendidas. Elas geralmente acham, inclusive, que elas estão erradas enquanto a revolta muda cresce dentro dela. Crianças não se dão conta dos problemas de sua família, simplesmente, os sofrem.

Seus pais, por sua vez, têm aquela conhecida vida corrida voltada a garantir a sobrevivência, fazer carreira, ganhar mais dinheiro e comprar mais coisas. Enquanto isso, seus filhos atravessam idades diferentes com necessidades diferentes, para perceber as quais é preciso somente de uma simples atitude: atenção.

Para ser bons pais não é necessário conhecer as etapas psicológicas do desenvolvimento infantil, basta olhar de verdade para seus filhos, ouvi-los com interessada curiosidade e disponibilidade emocional. Se os pais desligassem de sua correria e de seus circúitos mentais repetitivos, iriam perceber que suas crianças estão tentando lhes comunicar alguma coisa.

Para prestar realmente atenção aos filhos, há uma pré-condição que precisa ser preenchida: aceitação. Aceitá-los significa enxergar a criança como um outro ser, diferente deles (e não um pedaço deles), um ser com sua lógica, percurso e necessidades – que nem sempre correspondem às expectativas do adulto. Isso porque nos abrimos emocional e mentalmente somente àquilo que temos antes aceito. Caso contrário, o rejeitamos. Podemos fingir prestar atenção mas não estaremos de verdade abertos a acolher o outro, deixaremos entrar somente partes do outro que confirmam nossas verdades (e preconceitos). O que resulta na muito comum experiência de não se sentir amado. As crianças, por causa de sua condição de contínua mudança, aprendizado, diferenciação dos pais, passam frequentemente por isso. Como prova basta que cada um olhe para dentro de si e se conecte com a carência que sente, com a falta de amor, a tristeza e o vazio profundo e vago que nas horas de maior vulnerabilidade e solidão se faz perceber.

Todos carregamos feridas desse tipo, das quais fugimos a maior parte das vezes por hábito, porque foi assim que, na época, tentamos “resolver” o mal estar: fugindo dele. Mas desta forma, a ferida continua sangrando. Para que ela se torne cicatriz, é preciso voltar lá e cuidar dela.

A criança que está dentro pede para ser acolhida, o que significa receber o que faltou: atenção verdadeira, olhar interessado e disponibilidade emocional. Portanto, façamos isso, voltemos lá, ou melhor, permitamo-nos sentir. Pode-se usar fotos da época e olhar para nós mesmos crianças. Olhem para aquela criança com atenção verdadeira, olhar interessado e disponibilidade emocional – aguentando o desconforto que podem vir a sentir. Certamente, mil e uma coisa irá surgir. Fiquem com elas todas. Fiquem com a criança interior e todos seus conteúdos, suas lágrimas, seus medos, sua dor.... Se permitam senti-la dentro. Sejam os ouvidos que ela não teve, o olhar amoroso que faltou, a aceitação que nunca chegou.

Ao permanecer com a criança interior, sustentando com sua força de adulto suas dores, medo, vazio e confusão dela, vocês estarão curando-a. Peguem-na pela mão e sejam os pais que ela não teve. Mostrem-lhe assim que se pode sobreviver, que o mundo não vai cair sobre sua cabeça, que está tudo bem.

Aos poucos, a ferida vai parar de sangrar e se tornar uma cicatriz, um ponto delicado em nosso corpo emocional e mental, mas sem mais dor. Desta forma, ganhamos força e estabilidade emocional e nos desvinculamos da cobrança para com os nossos pais, aceitando-os em sua incompletude e compreendo que fizeram o que seu nível de consciência e de conhecimento permitiram. Somos todos viajantes.