Adriana Nogueira: Deixem as crianças em paz

Por Adriana Tanese Nogueira

Recentemente, li um artigo sobre a questão do silêncio na infância. Pensei na importância do silêncio para as crianças e lembrei de todas as vezes em que se colocam palavras na boca das crianças. Quantos adultos encontro que não conseguem sustentar o silêncio delas, seu olhar penetrante e silencioso ou mesmo sua falta de interesse no que estamos falando e em nossa pessoa. E por que deveríamos ser o centro do mundo sempre?

As crianças, quando pequeninas e ainda não “estragadas” pelo “politicamente correto” dos pais, são genuínas e reagem conforme sua interioridade, não de acordo com as expectativas alheias ou as regras sociais. É importante mantê-las nessa condição o máximo possível.

Para proteger sua individualidade e seu processo de “encarnação” e conscientização, eu nunca disse para minha filha, “Dá tchau pro fulaninho ou pra sicraninha”. Seu ir embora silencioso não é sinônimo de falta de educação.

Deixemos as crianças em paz. Elas estão observando o ambiente, sentindo a realidade, tomando conhecimento do lugar onde nasceram, das pessoas que estão à sua volta, de como “funciona este mundo” no qual chegaram. Deem-lhes tempo para fazer sua avaliação e, aos poucos, sair de sua toca interior e começar a interagir, no seu sagrado ritmo e modo. Permitam que as crianças criem suas próprias respostas, originais e únicas, mas também fruto das informações que colheu em sua vida conosco. Deixem, enfim, que as crianças sejam elas mesmas. Ninguém nasce para ser clone de um modelo social ou estereótipo de “filho ideal”.

Temos tempo, tempo demais, para nos formatarmos aos requisitos do grupo e da sociedade. A família, lugar da primeira educação, haveria de ser o espaço onde o pequeno ser humano desenvolve sua personalidade. Isso é um processo. É como escrever um livro. Um autor precisa deixar as ideias surgirem em sua mente e não falar delas, não escrevê-las, até ter encontrado as palavras certas para cada uma. Se quiser botar no papel um pensamento mal construído e pouco claro, irá perder a pérola contida na ideia original. É preciso deixar que a ideia assuma uma certa clareza e possa se definir em palavras inequívocas para então expressá-las, materializá-las com tinta e papel. E mesmo quando tivermos todas as palavras reunidas numa bela história, ainda precisamos de tempo, temos que deixar amadurecer, digerir e processar, rever e avaliar... Só depois publicar. Antes disso é o mesmo que tirar um fruto verde da árvore: desperdício.

Com as crianças ocorre algo parecido. Há um tempo de processamento da realidade interna e daquela externa (das duas!) durante o qual elas não deveriam ser apressadas para se tornarem boas relações públicas. É falta de consideração com elas. Precisaríamos deixar que elas amadureçam até sentirem necessidade de falar e então, sim, ajudá-las respeitosamente na expressão. Ao botarmos palavras na boca de nossas crianças, forçando-as a ter interações sociais para as quais não estão prontas, nós estamos ensinando-lhes a triste lição do desrespeito para com seus tempos e ritmos interiores. Alimentamos nelas a desconexão do que realmente sentem e damos as condições para uma série de problemas se desenvolverem.

Um desses problemas é a falação constante: falação interna, dentro da própria cabeça (quem não a conhece?) e falação externa. Falar por falar, para preecher o espaço de algo (e fugir do vazio que sentem), que com o tempo significa falar em voz sempre mais alta... alta por quê? Para ser ouvida. Mas a criança, o adulto responde, está sendo ouvida! A falação dela está sendo ouvida... sim, mas o que ela realmente precisa falar, aquilo que está trancado dentro dela, inacessível, não está sendo ouvido.

Daí nasce o medo do silêncio. No silêncio ficou o que calamos, incluindo nossa necessidade dolorosa e indispensável de silêncio!