Adriana Nogueira: A menina com raiva na mãe

Por Adriana Tanese Nogueira

chorando

Laura tem 5 anos, é a filha mais velha de Julia, e tem uma irmã mais nova, Sara, de 3 anos. Julia me procura porque Laura tem ataques de raiva, grita com a mãe, tenta bater nela e demonstra o que parece ser uma grande atitude de desprezo com a mãe. Mas não é sempre assim, Laura tem também momentos ótimos com a mãe, que é uma mulher jovem dedicada à família. Julia se preocupa em criar para as duas filhas o ambiente familiar saudável e organizado. É responsável e atenta às necessidades das meninas. Seu marido trabalha muito para dar à família um nível de vida bom, ele está já no topo de sua carreira e engajado em manter-se ativo e prosperar. Julia não entende o que está acontecendo com a filha, percebe nitidamente que ela está sofrendo. E procura ajuda.

O que será que acontece com Laura?

Quando se for tratar de problemas de criança, é injusto e cruel crucificá-las como problemáticas sem atentar para a realidade familiar que hão de viver (pois uma criança não pode sair de casa, certo?). Não só a realidade básica da família (nível de vida, se há violência doméstica e essas coisas) como também para o ambiente psicológico inconsciente no qual a criança está inserida. Não é só que se vê que importa, mas também o que não se vê e pertence ao mundo dos conteúdos psíquicos inconscientes.

Os filhos mais velhos – no caso, as filhas mais velhas – vivem uma realidade especial com suas mães: vivem em simbiose. E isso é o normal. Na primeira infância, o estado simbiótico garante que “um não possa viver sem o outro”, e sobretudo que a mãe não possa viver sem seu filho, o que, do ponto de vista biológico, é indispensável pela sobrevivência da espécie. Bebês sem mães morrem. “Mãe” é um ser indispensável, não precisa ser biológica, precisa ser “mãe”.

Mães, porém, são também pessoas com sua história de vida. O nascimento e cuidado de um bebê traz à tona muitas outras coisas além do famoso “amor incondicional”. Uma mulher que tem disponibilidade para acessar esses outros conteúdos que emergem com a maternidade tem a oportunidade de simplificar enormemente a relação com a criança, no sentido de torná-la mais fácil, suave e “fluída”. É claro que ela deve estar disposta a enfrentar questões dentro dela que não são fáceis. Entretanto, o resultado é gratificante. O contrário é aquele sentimento de frustração e impotência que vira no tempo uma bola de neve, pois quanto mais o filho cresce, mais a problemática, visível ou invisivelmente, se desenvolve.

Inúmeras vezes, os filhos somatizam os problemas dos pais, sobretudo os da mãe. Certamente, eles têm também sua própria personalidade, mas esta está “poluída” pelas questões não assumidas e não trabalhadas da mãe (e do pai nos anos seguintes). As crianças agem como campainhas de alarme. Não têm consciência do que estão fazendo, simplesmente sentem e sofrem de uma certa maneira. Gritam a dor e choram as lágrimas que não são necessariamente delas.

Assim que suas mães assumem para si o que lhes cabe, as crianças abandonam o comportamento problemático. E toda vez que suas mães voltarem a esconder algo de si mesmas (mesmo sem querer or perceber), as crianças voltam a ter um comportamento negativo. As primeiras filhas, em particular, são como as guardiãs de suas mães: diante delas, suas mães não podem se esconder. A mãe pode usar isso como trampolim para seu crescimento como mulher ou se sentir ameaçada e fazer da filha “o problema” da casa.

Julia, por sorte, escolheu o caminho melhor e tanto ela como Laura estão agora muito mais felizes.