Adriana Nogueira: Nos teus olhos vejo mundos... e monstros!

Por Adriana Tanese Nogueira

Olhar nos olhos de outra pessoa por um período prolongado de tempo provoca estados alterados de consciência. É o que as pesquisas do psicólogo Giovanni B. Caputo, da Universidade de Urbino na Itália, revelaram nos últimos anos em dois experimentos.[1]

Primeiro, ele recrutou 50 voluntários para que ficassem de frente para um espelho num local com iluminação suave, por dez minutos. As pessoas contaram que viram seus rostos se distorcerem e mudar, assumindo as aparências de animais, monstros ou até mesmo de parentes mortos!

Depois, Caputo recrutou 40 adultos e os dividiu em pares. Metade deles sentou de frente para uma parede (o grupo de controle) e a outra metade de frente para um parceiro. Novamente, era para ficarem 10 minutos olhando ou para a parede ou para os olhos do outro, num ambiente em luz baixa, mas suficiente para discernir mudanças sutis no rosto da outra pessoa. Todos haviam de manter uma expressão neutra. Novamente estranhas experiências ocorreram. Não só as pessoas relataram que as cores pareciam levemente mais intensas e os barulhos mais altos, como quase 90% delas disse ver o rosto de seu parceiro deformado, 75% viu seres monstruosos e 15% viu traços de familiares emergir do rosto alheio. O tempo pareceu parar e as pessoas sairem de órbita.

Algumas dessas sensações, como o intensificar-se de sons e cores e o tempo parar, são indicadores de sintomas dissociativos. A dissociação é um fenômeno que faz parte da vida normal; por exemplo, nos dissociamos quando, de volta para nossas casas, dirigimos sem prestar atenção na rua e de repente nos encontramos no lugar desconhecido (ou em casa) sem saber como chegamos lá. Mas, a dissociação pode também levar à psicose: na psique é tudo uma questão de gradação. Agora, o que os experimentos de Caputo trazem à tona é algo mais e mais inquietante. Ver o rosto do outro se deformar pode fazer parte do processo dissociativo; mas, enxergar nele monstros, outras pessoas e animais, não.

Diz a sabedoria popular que “Os olhos são as janelas da alma”. Olhar nos olhos é penetrar na privacidade do outro, deixar-se olhar nos olhos é nos revelar.

Todos temos espaços interiores íntimos que são só nossos e que não queremos que sejam violados. Mas, além desses, há também aquelas áreas internas pelas quais nós mesmos preferimos não transitar, as olhamos de longe com o rabo do olho e nos parecem cinzentas e até tenebrosas. As evitamos cuidadosamente (e, inclusive, quanto mais as evitamos, mais tenebrosas elas se tornam). Fitar em olhos alheios por tempo suficiente parece nos levar nos subúrbios de nós mesmos...

Carl G. Jung, um dos maiores psicólogos de todos os tempos, diria que o que esses experimentos manifestam são projeções. Cada um projeta sobre o outro o que não vê ou evita ver em si. Um medo pode ser visualizado como um monstro, uma agonia como um animal (exatamente como acontece nos sonhos). E como ponte para a psicologia transpessoal, é legítimo nos perguntarmos onde fica a fronteira que separa a psíque individual daquela de todos os outros humanos? E onde está a barreira que nos divide nossa psique daquela animal? E, finalmente, qual é a diferença entre psique e espírito e quando a psique de uma pessoa se transforma em espírito uma vez que ela morre? E o que acontece com os laços (positivos e negativos) que tínhamos com a pessoa defunda, que na verdade eram laços entre a psique dela e a nossa, nossos pensamentos, sentimentos, emoções conjuntas e em atrito?

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[1] Caputo, Giovanni B. “Archetypal-Imaging and Mirror-Gazing”. In: Behavioral Sciences (2076-328X); Mar 2014, Vol. 4, Issue 1, p. 1. In: http://connection.ebscohost.com/c/articles/95272244/archetypal-imaging-mirror-gazing.