Alcoolismo, culpa e cumplicidade - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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Beber é um delírio do ego, uma (ilusória) autoafirmação para exorcisar a dor interior. O álcool amortiza a percepção de si e da realidade, afastando assim sentimentos indesejáveis. Solidão, dúvida e angústia são calados um gole após o outro.

Sabemos o quanto essa “solução” é falha. Entretanto, ela é rápida e barata. “Barata” do ponto de vista psicológico: não requer o trabalho interior de se conhecer e se assumir. Beber anula a tensão, dissolve a inquietação interior.

É evidente que beber é uma declaração de fraqueza. Somente quem não aguenta enxergar usa a bebida no lugar da terapia. E é por isso que o dependente químico tem dó de si mesmo: ele se sente um coitado. Toda a carapuça que usa quando não está sob o efeito direto do álcool (se bem que sobriedade mesmo não existe mais após um tempo, porque seu sangue passa a estar constantemente intoxicado pelo álcool) é uma fachada. Ele não é tão forte, poderoso e independente como gostaria. Ele é um dependente e o sabe. Enquanto tal, ele é uma vítima do álcool, apesar de ninguém obrigá-lo a levantar o cotovelo para que engula mais um gole.

É humilhante para um homem adulto, que muitas vezes tem um bom emprego e é respeitado em seu trabalho perceber-se fraco e culpado. E ele tem vergonha de si. Não se pode admirar um bêbado. Os que convivem com ele perceberão a mesma coisa (ninguém é cego), mas se fingem por desconforto ou porque são iguais a ele. Por “amor”, se tornarão seus cúmplices.

É como ter um dinossauro na sala e arranjar os móveis e os hábitos da família ao seu redor como se nada fosse, como se fosse normal. Mas não é normal. De vez em quando, o bicho berra, quebra alguma coisa, transtorna a família inteira, destrói a paz... Depois adormece por um pouco e as coisas se “acalmam”.

Quando o alcóolatra desperta da crise alcóolica se tem dó dele, ele “não sabia o que fazia”. Os que o amam, preferem se calar pelo mesmo motivo pelo qual o alcóolatra bebe: por fraqueza.

Achando que ele precisa de “amor”, se sentem mal se enfiarem a faca na ferida e trazerem à tona o mal que ele causou. Assim, os que o alcóolatra machuca, envergonhados, recuam, se calam, escondem a si próprios a própria ferida, que com o tempo supura.

O dependente também vive no faz de conta que nada aconteceu (quem aguentaria se enxergar estragando a vida dos que mais ama?). Nas poucas ocasiões em que ele assume o que fez, sua justificativa é que ele “só” reagiu ao que alguém fez. E o assunto está fechado. Ninguém o contradiz, além de dó, tem-se medo dele e vergonha de se submeter aos abusos do “amado” alcóolatra.

O sentimento de culpa é um dos ingredientes essenciais que cimentam estas relações doentias. A culpa cresce na sombra do copo. Ser alcóoltra não quer dizer ser burro e a consciência do que se faz e se suporte assombra, produzindo o sentimento de culpa. É extramemente doloroso perceber que se está fazendo o mal a quem se ama e é doloroso ver-se incapaz de romper a cadeia violenta, permanecendo num casamento abusivo e criando filhos num lar disfuncional.

Assim, o círculo vicioso se estabelece. Os alcóolicos continuam bebendo, porque têm cúmplices: esposas, filhos, mães e pais, irmãos e irmãs, amigos e vizinhos.

Sobrevivem graças ao pacto implícito: a verdade deve ser calada.Ninguém tem coragem de apontar o dedo e denunciar que o rei está nu, peladão e, ainda por cima, é feio.