Análise do filme The Incredibles 2

Por Adriana Tanese Nogueira

INCREDIBLES
  • “Só uma coisa o filme ainda mostra que falta: falta legitimar, aceitar e apoiar a genialidade feminina.”
Mitos são sonhos que emergem do inconsciente coletivo. Filmes são projeções da consciência coletiva. No mito se manifesta uma realidade psíquica que está em formação, no filme se projeta o que já foi alcançado e que ganhou suficiente adesão social para se dizer “real”. Porque só vende aquilo com que as pessoas podem se identificar. No Incredibles 2 temos uma combinação bem-sucedida de elementos que agrada o paladar de todos sem ferir a “susceptibilidade do grupo dominante”, motivo pelo qual conseguiu mais de 504 milhões de dólares em apenas 24 dias de lançamento nos EUA. O que é a “susceptibilidade do grupo dominante”? Refiro-me aos homens. O filme é super divertido para nós mulheres, em particular para nós mães, e por dois motivos. Em primeiro lugar, porque nos coloca finalmente sob os holofotes: é à mulher, mãe e esposa, que é feito o convite para ser a super heroína que vai tornar os super-heróis novamente legais (pois eles foram colocados na ilegalidade, e veremos o significado simbólico disso); o marido é preterido à ela. Onde já se viu isso, gente?? Novidade histórica! E ainda por cima, o filme mostra direitinho o orgulho, o desgosto, o choque que ele tem que engolir para ser um marido politicamente correto e, portanto, aceitar a situação e apoiar a esposa. Terminados estão os tempos em que os homens estão sempre por cima, são sempre os escolhidos, sabem tudo, fazem tudo, são, enfim, as estrelas do show. A consciência coletiva já superou esse estágio. Isso não quer dizer porém que todas as realidades de casal espelhem essa nova consciência, mas no geral está assumido que as mulheres podem são as heroínas e poderosas. Em segundo lugar, podemos rir à vontade diante da dificuldade dEle de cuidar dos filhos. Enquanto nós mulheres aprendemos a fazer os mesmos trabalhos dos homens, eles ainda não sabem o que tem sido trabalho nosso há séculos: cuidar dos filhos. Mas, como diz a estilista da família Incredibles, “Saber ser bons pais é um trabalho para super-heróis.” E é mesmo! Bons pais são super-heróis. Assim, enquanto ela captura vilões, descobre tramas e armadilhas, vence obstáculos e luta como uma leoa, ele processa seu orgulho ferido, se conscientiza de sua realidade, a aceita e vai estudar matemática para ajudar o filho. Lida com a crise da filha adolescente em briga com seu ser diferente e o bebê (como todo bebê) revela seus inúmeros poderes. Como administrar e educar os poderes desse novo ser? Este é o maravilhoso desafio dos pais. Ouço Freud nos lembrar, “Este é o ‘perverso polimorfo’ do qual falava! As crianças têm poderes poliformos que são ‘perversos’ porque não educados, não direcionados.” Como o bebê do filme. Simpaticíssimo, a propósito. E agora uma palavra sobre tornar legais os super-herói que é o fio condutor da trama do filme. Super-heróis são os que têm poderes. A pessoa intuitiva numa sociedade racionalóide “tem poderes” (que assustam, como círculo assusta os quadrados). O aluno realmente inteligente numa escola padrão que ensina a memorizar, tem poderes (que incomodam). A criança perceptiva e sensível tem poderes (que atrapalham as mentiras dos adultos). E assim vai. Todos temos poderes quando vivemos em contextos limitantes. Devolver a legitimidade a esses poderes é saudável e em sintonia com um projeto maior, que é a evolução da consciência humana. Só uma coisa o filme ainda mostra que falta: falta legitimar, aceitar e apoiar a genialidade feminina. O “mau” da história é uma mulher genial que vive às sombras do irmão, grande vendedor do “sorriso-Colgate”, conquistador do palco. Na consciência coletiva, o gênio ainda é exclusividade masculina. Mas um dia, a gente chega lá.