Atenção aos animais que ingerem objetos

Por Dra. Paula Ferreira

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Cães e gatos têm uma curiosidade natural, e devido ao fato de que eles têm tendência a experimentar e a colocar tudo na boca, muitas vezes acabam ingerindo o que não devem.

A ingestão de objetos (corpos estranhos, como são denominados no meio veterinário) é uma ocorrência comum e o perigo para os animais de estimação é grande.

Os cães engolem mais objetos estranhos de que os gatos, porque não são muito seletivos. Os cachorros têm a capacidade de comer quase tudo: bola de tênis, bola de golfe, osso, corrente, moeda, papel, pedaços de madeira, controle remoto, meia, calcinha, lápis, rodapé, porta, carpete, poltrona, telefone celular, etc. A lista é muito longa e não é possível enumerar todos os objetos que já foram ingeridos por cães. Os gatos também gostam de se aventurar e, muitas vezes, comem linhas e fios de diferentes tipos, às vezes até com agulha de coser junto.

Dá para entender que o problema pode se tornar grave. Se o objeto não for pontiagudo e for ingerindo por um cachorro grande, quase sempre ele vai seguir a rota natural e ser eliminado sem maiores problemas, quando o animal defecar. Mas, em alguns casos, a coisa se complica, e muito. O objeto se aloja em alguma porção do trato gastrointestinal que seja mais estreita e o animal não consegue eliminá-lo. O trato gastrointestinal fica obstruído e o animal começa a apresentar sintomas.

O sintoma mais comum de uma obstrução gastrointestinal é o vômito. Dependendo da parte anatômica que foi obstruída, os vômitos podem aparecer imediatamente após a alimentação, e nesse caso a comida vomitada não está digerida, pois não chegou nem ao estômago. Se a obstrução for localizada nas porções mais além do estômago, o aspecto do vômito será de comida digerida ou semidigerida e o vômito pode ocorrer horas depois da alimentação.

É interessante lembrar que nem todos os animais que sofrem obstrução gastrointestinais parecem estar doentes (pelo menos no princípio). Alguns têm bom apetite e continuam a agir como se nada estivesse errado, até que começam a vomitar com frequência, mas mesmo este sintoma pode demorar a aparecer.

A obstrução também pode ser parcial e, nesse caso, o animal não vomita toda vez que come. Alguns alimentos (principalmente alimentos moles, como as comidas enlatadas) podem passar pelo sistema gastrointestinal completo no caso de uma obstrução parcial.

As consequências da ingestão de corpos estranhos podem variar, desde uma ocorrência quase sem problemas (às vezes, até consideradas engraçadas, quando o dono encontra o corpo estanho nas fezes do bichinho) até um problema severo, que pode levar à morte do paciente.

Quando o animal sofre uma obstrução gastrointestinal mais severa, o quadro clínico irá mostrar um animal letárgico, sem apetite e com vômitos frequentes, às vezes com diarreia, outras vezes com constipação ou ausência de fezes. Se a obstrução não for corrigida a tempo, o animal começa a sofrer desnutrição e a perder peso. O corpo estranho, dependendo do formato e da localização anatômica da obstrução, também pode causar compressão do segmento do órgão obstruído. Esta compressão irá comprometer a circulação sanguínea para a área afetada, causando hipóxia (falta de oxigênio no tecido do órgão) e, consequentemente, necrose (morte das células do órgão). Com a necrose, produtos tóxicos são liberados dentro do abdômen, causando peritonite (infecção da cavidade abdominal) e septicemia (infecção generalizada no sangue e órgãos). Perfuração do sistema gastrointestinal também pode ser uma consequência desastrosa da ingestão de corpo estranho.

O diagnóstico da obstrução gastrointestinal nem sempre é simples, depende da composição do corpo estranho ingerido. Se um animal apresenta quadro clínico de vômitos ou outros sintomas gastrointestinais, exames de laboratório e de raios-X são essenciais para se encontrar a causa. Se o corpo estranho for metálico ou um osso, a radiografia os mostra com clareza. Mas, no caso de materiais radiolucentes (que não aparecem na radiografia) como, por exemplo, certos tipos de plástico, madeira, tecidos e outros materiais, outros exames são necessários para se confirmar a presença do corpo estranho. Um método diagnóstico muito usado é a radiografia contrastada. Nesse exame, administra-se um líquido radiopaco (que aparece com clareza nas radiografias) ao paciente, por via oral. Radiografias são tomadas a intervalos regulares, para seguir o caminho do líquido de contraste no sistema gastrointestinal. Se o líquido fica retido em algum lugar, suspeita-se que o corpo estranho está neste ponto.

Também, a endoscopia é um método eficiente para encontrar o corpo estranho. O animal é anestesiado, e o endoscópio (um tubo flexível com uma pequena câmera) é introduzido no aparelho gastrointestinal (pela boca ou pelo reto), até encontrar o corpo estranho. A grande vantagem deste método é que, se encontrado, o corpo estranho pede ser “pescado” com as garras do endoscópio e o problema se resolve sem cirurgia. Mas o êxito da remoção do corpo estranho com o endoscópio depende do tamanho e do formato do corpo estranho. Em alguns casos, o animal tem que ser submetido à cirurgia para retirada do corpo estranho mesmo após o exame endoscópico.

A cirurgia para remoção de corpo estranho do sistema gastrointestinal é bastante invasiva, e requer um período pós-operatório no hospital, onde o paciente receberá os cuidados necessários. Este período é importante para que o veterinário possa monitorar o animal e diagnosticar complicações pós-operatórias como, por exemplo, a peritonite.

A melhor forma de se evitar que o animal ingira um corpo estranho é, simplesmente, não permitir o acesso a esses materiais. Nunca deixe coisas espalhadas pela casa.

Em casas onde moram crianças, recolha sempre os brinquedos, pois cães e gatos também adoram brincar (e acabam engolindo). Alguns cachorros, quando estão sozinhos na casa, devem ficar confinados a um espaço onde não possam arrumar problemas, seja esse espaço um jaulinha confortável ou um cercado. Filhotes são especialmente problemáticos, e devem ser confinados sempre que não estejam supervisionados, pelo menos até que tenham treino suficiente para ser considerados confiáveis. Latas de lixo devem estar sempre bem tampadas e longe do alcance dos animais de estimação. Em casas onde existem gatos, nunca deixe linhas ou barbantes ao alcance deles, pois eles adoram brincar com esses objetos e a ingestão acidental ocorre com frequência.