Anorexia, uma doença falta

Por Gazeta Admininstrator

A família da modelo Ana Carolina Reston espera que a morte da jovem na terça-feira (14), por complicações decorrentes da anorexia, sirva de alerta para pais e garotas envolvidas com o mundo da moda.

Carol morreu aos 21 anos, com cerca de 40 quilos - em 1,74 m de altura. Quando fez o book, seu quadril media 85 cm, mas isso foi na época em que ainda era “gordinha”.
A viagem para fazer fotos em Paris estava marcada para o dia seguinte, mas, desta vez, a modelo Ana Carolina Reston Macan teve primeiro de acertar as contas com sua saúde. Internada no dia 25 de outubro com insuficiência renal, Carolina estava tão debili-
tada por causa de uma anorexia nervosa que sua pressão arterial despencou, ela passou a ter dificuldade de respirar e seu quadro geral evoluiu para uma infecção generalizada.

Seu caso é um clássico. Nascida em Jundiaí numa família de classe média, ela sonhava em ser modelo desde criança: por sorte (ou azar), ela venceu um concurso rea-
lizado no interior; pouco depois foi descoberta por uma olheira de agência e, logo, começou a “modelar”. Tinha, então, 13 anos. “Só a deixei viajar para o exterior sem eu ir junto depois dos 17. O que eu podia fazer? Não tinha dinheiro para pagar a minha passagem”, conta a mãe, Míriam Reston, 58, ex-ourives que há cinco anos virou vendedora de rua. “Me roubaram quatro quilos de ouro em casa.”
Nesse contexto, não era fácil dar atenção a uma menina que, com 17 anos, não parecia preparada para passar temporadas de três ou quatro meses em países distantes como China, Turquia, México e Japão. Amigos reunidos na saída do cemitério de Pirapora do Bom Jesus (Grande SP) contavam que, no México, Carol enfrentou falta de trabalho, foi abandonada pela agência e já não tinha dinheiro para comprar o tíquete de volta.
Ali, foi “adotada” por sua última agência, a L’Equipe, que a enviou do México para o Japão. “A Carol chegou a fazer um catálogo para o (Giorgio) Armani, mas, pouco depois, a correspondente da agência lá me ligou dizendo que ela estava magra demais. Isso me pareceu preocupante vindo de uma profissional acostumada a lidar com modelos. Achamos melhor trazê-la de volta”, conta a dona da L’Equipe, Lica Kohlrausch.
A empresária diz que não percebeu, ao olhar para a menina na volta, nenhum sinal físico de anorexia. “Esses casos são mais raros do que se propaga. Eu tive apenas uma menina anoréxica, em 1986, e nunca mais.” De acordo com a psicóloga Maria Beatriz Meirelles Leite, que há quatro anos presta serviço a agências de modelos como Ford e Marilyn, “cerca de 20% das meninas que chegam a ir para o hospital morrem”.
Ela explica que, quando a modelo chega ao psicanalista, já passou por um clínico e teve o Índice de Massa Corporal (IMC) aferido. “A essa altura, o indicado é uma terapia intensiva. O passo seguinte é convencer a adolescente a freqüentar um psicólogo. A maioria sente vergonha, e existe um preconceito. Elas não querem se achar “doentes”.”
A mãe de Carol e amigos próximos dizem que a modelo chegou a ser atendida por especialistas e fez tratamento, mas resistia a aceitar que estava doente. “Ela não gostava se pedíamos que comesse. Quando comia, era pouco e, logo depois, entrava no banheiro”, conta a prima Geise Strauss, 30, com quem Carol morava em suas temporadas no Brasil.

Debate Mundial
A morte da modelo Ana Carolina aconteceu dois meses depois de uma campanha internacional contra a magreza extrema nas passarelas ter começado na semana de moda de Madri, na Espanha.
A briga contra a presença de modelos magérrimas nas semanas de moda mais requisistadas do mundo começou porque setores civis espanhóis, em setembro, protestaram contra a influência das modelos sobre adolescentes, que apresentavam cada vez mais problemas de saúde por falta de alimentação.
Em questão de dias, a polêmica foi debatida em todo o mundo, e profissionais da moda protestaram contra a proibição das supermagras nas passarelas.
Vários setores da sociedade consideram que as jovens tentam imitar a aparência física das modelos e acabam desenvolvendo distúrbios alimentares. Por isso, o governo de Madri, por exemplo, decidiu rejeitar as mode-
los excessivamente magras, argumentando que com isso vai projetar uma imagem de saúde e beleza.
“A moda é o espelho no qual muitos jovens se vêem, querendo imitar as mode-los que desfilam nas passarelas”, disse Concha Guerra, vice-conselheira de Economia e Inovação Tecnológica do governo regional.

A doença
O distúrbio afeta principalmente mu-lheres jovens dos países ocidentais. Tal como pacientes com desnutrição extrema, os anoréxicos sofrem complicações em vários sistemas de organismo, ocasionados pela alimentação em quantidade e qualidade insuficientes. As mulheres parecem ter mais gordura corporal para “queimar” durante o jejum que os homens, mas a alimentação deficiente em períodos prolongados afeta em primeiro lugar os músculos (que também passam a ser “queimados” pelo organismo na tentativa de sobreviver).
Todo o sistema hormonal é afetado - é comum, por exemplo, que as mulheres parem de menstruar. Órgãos de “manutenção” do organismo, como os rins, podem sofrer panes - caso de Ana Carolina -, e o sistema imune (de defesa) do corpo também entra em baixa. Também são comuns alterações cardíacas e, em alguns casos, na estrutura do cérebro.
As causas da anorexia nervosa ainda são motivo de debate entre os especialistas. Parece haver um componente genético -pessoas muito próximas geneticamente, como gêmeos idênticos, teoricamente teriam chances parecidas de desenvolver ou não o distúrbio. Há indícios de que a pessoa anoréxica não seja capaz de avaliar de forma objetiva a própria forma física, sempre se achando muito mais gorda do que na realidade.
O diagnóstico envolve a verificação dessa característica e a presença de um índice de massa corporal (IMC, resultado do peso em quilos dividido pelo quadrado da altura em metros) considerado patológico. Segundo critérios da Organização Mundial da Saúde, alguém com IMC abaixo de 17,5 já pode ser considerado anoréxico. Para se ter uma idéia, o IMC de Ana Carolina ao morrer era de 13,5 -- ou seja, para não ser encaixada na definição, ela teria de pesar pelo menos 52 kg, e não 40 kg.