Aproximadamente 100 mil brasileiras trabalham no mercado de limpeza norte-americano.

Por Gazeta Admininstrator

Carla* é uma das cerca de 100 mil brasileiras que trabalham no mercado de limpeza norte-americano, de acordo com calculos de representantes da comunidade brasileira.

Ela chegou ao país há um ano com toda a energia do brasileiro que pisa na "América" para realizar o sonho de ganhar o dinheiro que não consegue no Brasil.

"Cheguei toda empolgada, deixei até as minhas filhas no Brasil", disse. A intenção era juntar dinheiro rapidamente e, depois, voltar ao país.

Depois de três meses procurando emprego, surgiu a oportunidade: "Começamos a trabalhar com limpeza de casas para uma mulher. Segundo Carla, os apartamentos eram tão sujos que era necessário usar uma lâmina para raspar e ácido para dissolver a sujeira impregnada nos banheiros e nas cozinhas.

Os produtos causaram uma reação no rosto de Carla, que ficou vermelho e cheio de bolhas. "O meu rosto queimava, ficou horrível. Pensei que ele nunca voltaria ao que era", lembra Carla, que passou a ser mais uma brasileira vítima de acidentes de trabalho nos Estados Unidos.

Falta de registro

Segundo Cláudia Tamsky, responsável por um projeto de prevenção de acidentes de trabalho no Centro do Imigrante Brasileiro em Boston, o problema é muito mais comum do que se imagina.

"Não temos estatísticas precisas porque a maioria não registra o caso nem nos procura", disse à BBC Brasil.

Ela cita o exemplo de um carpinteiro que procurou o centro no início deste ano depois de ter sofrido três acidentes graves. "Ele só procurou o centro porque foi demitido após o último acidente, que o deixou inválido para o serviço".

Cláudia Tamsky contou que, no primeiro acidente, o brasileiro tinha cortado um dedo com uma serra elétrica. Posteriormente, quando furava uma parede, o parafuso bateu em uma placa de metal, ricocheteou e atingiu o olho dele, causando problemas de visão. No último acidente, ele teve um corte profundo na mão e perdeu parte dos movimentos da mão.

"Sem poder trabalhar, foi demitido", disse.

Problema comum

No serviço doméstico, problemas como o de Carla não são incomuns.

O grande número de mulheres brasileiras envolvidas nesse tipo de função chamou a atenção de dois profissionais da área de saúde que trabalham na região, que começaram a observar as condições de trabalho destas mulheres.

"Elas trabalham com muitos produtos de limpeza com químicos fortes, em recintos fechados. Num longo prazo eles podem causar problemas de pele, irritação nas mucosas, nos olhos, na traquéia e problemas de respiração", diz Eduardo Siqueira, professor-assistente da Universidade de Massachusetts-Lowell.

Ele explica que, apesar de os produtos usados nos Estados Unidos serem semelhantes aos usados no Brasil, as housecleaners estão mais propensas a contrair problemas por causa do manuseio dos produtos de limpeza.

"Elas equivalem a uma diarista no Brasil, mas na verdade aqui ela é horista, porque trabalha em várias casas no mesmo dia. A intensidade do trabalho é muito maior."

Brasileiras recém-chegadas, como Carla, chegam a trabalhar em até seis casas por dia. Uma equipe de duas a três pessoas limpa uma casa em duas ou três horas. Como a novata normalmente chega sem falar inglês e sem conhecer a dinâmica do mercado, vira ajudante – ou helper.

A helper é quem trabalha mais e ganha menos. Enquanto a housecleaner limpa a sala e os quartos, a helper fica encarregada dos cômodos mais sujos e difíceis de limpar: os banheiros e a cozinha.

"É no banheiro e na cozinha que são usados os produtos mais potentes, como água sanitária e abrasivos. Aqui, não tem ralo, portanto, o que se limpa no Brasil com água e sabão aqui tem de ser limpo com esses produtos", ressalta Siqueira.

"Outro problema do qual a maioria das housecleaners reclama é de dor na coluna e nas juntas. Elas trabalham muito tempo agachadas, limpando banheira, esfregando o chão e ficam em posições desconfortáveis para chegar ao lugar onde está a sujeira", explica o professor.

Os danos à saúde das housecleaners podem ser minimizados de várias formas, sugere Siqueira: "Elas podem limpar menos casas ou adotar uma rotatividade do trabalho dentro das casas e podem também substituir os produtos tradicionais por produtos biodegradáveis."

Cooperativa

Limpar menos casas significa uma renda menor, contrariando os planos da maioria dos brasileiros que foram aos Estados Unidos justamente para juntar a maior quantidade de dinheiro possível.

Já a rotatividade no trabalho depende de um acordo entre os integrantes da equipe de limpeza.

"Percebemos que poderíamos ajudar, pelo menos, na substituição dos produtos de limpeza utilizados pelas housecleaners", diz Siqueira.

Com esse objetivo, foi criado o projeto da cooperativa de produtos de limpeza naturais, que faz parte do Projeto Parceria – que tenta melhorar as condições de trabalho dos imigrantes brasileiros em Boston com o objetivo de diminuir o número de acidentes de trabalho.

A coordenadora do projeto da cooperativa, Mônica Chianelli, é housecleaner e criou uma série de produtos para substituir os tradicionais "amigos" das cleaners. Ela enumera as vantagens dos produtos, todos a base de água, sabão e vinagre: "Eles não fazem mal à saúde das cleaners nem à saúde da família que mora na casa. E mais: não sujam o meio-ambiente."

O Centro da Mulher Brasileira, para o qual Mônica trabalha, já realizou um curso para orientar 200 housecleaners sobre os benefícios dos produtos verdes e tentar convencê-las de adotá-los na limpeza das casas.

"Ensinamos a elas as frases básicas em inglês para elas explicarem as vantagens dos produtos para as clientes, sempre destacando a proteção do meio-ambiente e a saúde da família", diz Mónica.

Kênia Santiago, de 30 anos, fez o curso no centro e ficou convencida que as substâncias naturais significavam uma melhoria nas condições de trabalho dela. Mesmo assim, ela ainda faz uso dos produtos tradicionais.

"Depois do curso, passei a usar apenas os produtos naturais na minha casa, mas não posso usar nas outras casas, porque trabalho para uma pessoa. Ela diz que tem de sentir o 'cheiro de limpeza' para mostrar que está limpo e que os produtos naturais não deixam esse cheiro", diz Kênia.

Segundo Mônica, a resistência à novidade parte principalmente das housecleaners mais experientes, que trabalham nos Estados Unidos há vários anos.

"Elas acham que quando o lugar está muito sujo, têm de, primeiramente, tirar o 'grosso' com os produtos químicos. As pessoas que limpam há muito tempo não precisam da nossa ajuda, mas precisam pelo menos um alerta."

O público-alvo da cooperativa, de acordo com Mônica, não são as veteranas e sim as mulheres que precisam de ajuda para abrir seu negócio, as helpers.

A intenção é formar um grupo de ex-helpers que gerenciem a cooperativa, que funcionará como uma empresa de serviços de cleaning, que também produzirá produtos naturais para vender.

* Carla pediu para ter seu nome trocado para não ser identificada.

*Colaborou: Silvia Salek