Assassinando a infância

Por Gazeta Admininstrator

Houve um tempo em que, apesar de todos os problemas e limitações, da escassa tecnologia e da comunicação restrita, um dos traços de união de bom senso na humanidade eram o respeito à inocência e incapacidade de defesa das crianças.

Criança não era só esperança – como diz o tradicional mote do evento da TV Globo.
Criança era símbolo de ternura, da cons-ciência que tínhamos de que esses seres que não pediram para nascer, mereciam ser educados, protegidos, cuidados, enfim, para que a humanidade pudesse, através desse processo, melhorar continuamente.

A humanidade não tem melhorado. A tecnologia é cada vez mais assombrosa, o acesso à informação, a robotização, a multiplicidade de possibilidades e oportunidades é inegável, é deslumbrante. Mas a “humanidade” dentro da humanidade desaparece à velocidade da luz. Não há respeito a nada, a ninguém. E as crianças, que um dia tiveram sua inocência e fragilidade respeitadas como algo intocável, são, cada vez mais, “adultizadas” por força de um sistema social selvagem, ignorante, impessoal e cruel. Muito cruel.

Há civilizações e países que ainda mantêm uma tênue ligação com o passado em que a infância era um espaço protegido por leis morais e éticas. Mas são poucos e cada vez essa resistência se esvai.

São crianças-terroristas no Oriente Médio. Crianças que matam e morrem por ideais e fanatismos estúpidos de quem as treina e obriga a matar e morrer. Crianças usadas como bombas-humanas.

Crianças-operárias na China, Índia, Tailândia e Paquistão, fabricando brinquedos que elas mesmas jamais poderão comprar ou receber de presente de seus pais. Inocentes mãos ganhando centavos de dólar numa teia industrial “globalizada” fabricando jeans e utensílios “fashion” e “fancy” para abarrotar os shoppings centers da classe média deslumbrada com a moda e o vazio de nossos tempos.

Crianças-traficantes nas favelas e ruas do Brasil. Onde “Pixote” deixou de ser uma exceção para se tornar uma trágica regra. Em massa. Crianças-prostituras nas cidades do Nordeste do Brasil, condenadas, desde muito pequenas, à destruição total de sua auto-estima e respeito.
Crianças-assassinas nas escolas americanas, trazendo para o dia-a-dia das salas de aula do chamado país “mais poderoso do mundo”, o horror da violência banalizada pela TV, cinema, internet e vídeo games.

Crianças-famintas de Darfur e de todos os genocídios nossos de cada dia numa África assolada pela Aids e pela total desimportância.

Ao tratar nossas crianças de forma tão vil e miserável, ao permitir que nossos filhos testemunhem a degradação absoluta do precioso valor da infância, condenamos, desde já, nosso futuro. Um futuro – ou presente – onde são os adultos que querem voltar a ser crianças, no vestuário, no lazer, na fantasia.
Isso porque ainda vivemos uma idéia romântica de que os melhores anos de nossas vidas tenham sido aqueles vividos em nossa infância.

Muito breve, os adultos de amanhã que são crianças hoje, não terão muita coisa positiva do que se lembrar e sentir saudades de sua infância. O tamanho dessa perda é imensurável.

É a perda que nós, adultos, de um mundo idiótico, mega-egoísta, consumido pela sa-tisfação instantânea e pela incapacidade de pensar, refletir e agir com bom senso, estamos impondo aos nossos filhos, nossos netos e ao futuro da humanidade como um todo.
Ou será mesmo que alguns futurólogos apocalípticos tinham mesmo razão, ao preverem um mundo sem lei e sem alma, onde não haveria linha divisória entre criança e adulto? Pelo que estamos vendo, essa horrenda possibilidade parece cada vez mais palpável.