Autoestima feminina e amamentação - Viver Bem

Por Gazeta News

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Adriana Tanese Nogueira*

O leite materno não desce somente porque existe uma fisiologia que o produz, mas é liberado ou bloqueado pela psique da mãe, que tem um papel tão importante quando o físico. O caso abaixo é um exemplo de como a autoestima da mulher influencia a amamentação.

“E.A.S., 27 anos, casada, balconista, engravidou após alguns meses de tentaivas. Ao receber a notícia do exame positivo, mãe e pai ficaram muito felizes. O casal realizou curso de gestantes, fornecido pela Cooperativa Médica da cidade. Nota-se que a participação do pai foi integral no curso e que ele fazia questão de estar com sua esposa. Davi nasceu de parto normal, no último domingo. A mãe não acredita como isso aconteceu, cita que nunca quis ter um parto desse tipo, mas aconteceu. Sentiu dores a noite toda, entretanto, achou que fossem  “gases”. Ligou para o obstetra pela manhã, foi avaliada e rapidamente encaminhada à sala de partos, com 9 cm de dilatação.

E.A.S. conta que foi muito dolorosa a expulsão de Davi, mas se sente muito orgulhosa por ter conseguido.

Ainda no hospital, logo após o parto, Davi mamou ao seio.  A mãe sentiu medo e insegurança (sic). Na madrugada,  teve dificuldade para amamentar, mesmo sendo auxiliada pela enfermagem. Foi oferecido ao recém-nascido leite maternizado.

No dia seguinte, o pediatra avaliou o bebê e lhe deu alta hospitalar. Orientou  a mãe sobre vacinas, teste do pezinho, retorno ao consultório e forneceu-lhe uma receita de desobstruidor nasal e leite “NAN”.

E.A.S. conta que gosta muito do pediatra que escolheu para seu filho, e que ele foi o seu pediatra. Foi observada a estreita relação de confiança.

Recebi um telefonema na quinta-feira à noite (era um pouco tarde, eu já estava deitada). Era a avó de Davi, mãe da puérpera. Muito preocupada, pediu para que eu ligasse para sua filha, pois ela estava com muitas dúvidas. No dia seguinte, fui visitá-la em sua residência.

Casa muito pobre, em uma vila distante. Estavam lá a avó, que fez o contato, o pai do bebê, a mãe e dois cachorros. Davi estava dormindo com o pai, na cama do casal. Conversei bastante com E.A.S. e senti que ela estava amedrontada, tinha dúvidas sobre cuidados básicos e estava oferecendo ao seu pequeno filho leite “Nestogeno” por ser mais barato do que o prescrito pelo médico.

Suas mamas estavam gigantescas, e com muito leite! Entretanto, ela não tinha fornecido para Davi, alegando que o mesmo não conseguiu pegar.

Demos banho no pequeno e começamos a empreitada para dar de mamar a ele. A mãe demonstrava pouca paciência e a avó ficava, atrás de uma porta, fazendo sinal para que eu não deixasse ela desisitir. Davi pegou o seio. Mostrei à mãe que ele estava sugando. Reforcei a importância do leite materno e da sucção pra continuar produzindo leite. O pai em todo o tempo da visita continuou no quarto, dormindo! Retornei ao meu trabalho. Mais tarde, entrei em contato por telefone, tudo estava bem.

Há aqui relação entre o parto e a amamentação, não no sentido material, mas simbólico. A mãe não se sentia preparada para o parto normal, apesar do curso para gestantes na Cooperativa Médica da cidade. Nesses cursos se dão informações genéricas sobre alguns aspectos do parto e da maternidade, focando nos cuidados materiais e nas técnicas, conforme a cultura materialista e superficial na qual vivemos. Pouca ou nenhuma atenção é dada à capacitação da mulher, ou melhor, ao despertar de sua capacidade.

A insegurança que E.A.S. tinha com relação ao parto se extendeu para a amamentação. O parto ocorreu “sem querer”. O fato dela ter tido um parto normal e de sentir-se orgulhosa por ter conseguido não significa que ela o tenha absorvido em sua personalidade.Ela continua se sentindo insegura e fraca. Faltou, após o parto, a elaboração da experiência. Não basta o corpo fazer, realizar o parto. A consciência deve, em seguida, apropriar-se da experiência, fazê-la própria, assumindo-a conscientemente e com ela as capacidades envolvidas.

A essa falta de consciência se soma o estranhamento do fenômeno da amamentação, o qual está ligado a dois fatores. Em primeiro lugar, existe uma natural falta de familiaridade com um ser tão pequeno e de aparência frágil que não conhecemos, que depende inteiramente de nós e que não fala nossa língua. É aquela sensação de estranheza de manipular um serzinho desses e de certa forma “não saber o que fazer com ele”. Isso é basicamente devido à falta de hábito. Qualquer mulher, após ter passado por um bebê (próprio ou alheio), tem reações adequadas. Em segundo lugar, está espreitando aqui o sentimento de responsabilidade da mãe para com a vida do bebê, que pode facilmente se refletir no ato de amamentar. Trocar fraldas, lavar, vestir são gestos materiais; se aprendem. Amamentar é uma dimensão física-e-psíquica. Ser nutriz é muito mais do que ser a babá do próprio filho. Ser nutriz pressupõe que são nossos conteúdos que nutrem e sustentam nosso bebê. E por conteúdos entendo: o alimento material (leite) e aquele simbólico (amor, valores, estilo de vida, educação, sentido da vida).

No aspecto simbólico encapsulado no gesto físico de amamentar pulsa, como um coração, a seguinte questão: serei uma boa mãe? Sou capaz de ser mãe? O que tenho a oferecer para um filho? Aquilo que sou é suficiente para dar a ele o que ele precisa para seu desenvolvimento?

Se essas perguntas parecerem profundas demais, quero lembrar que não é absolutamente necessário que tenhamos consciência delas para que existam. É justamente por isso que há mais de cem anos surgiu o conceito de inconsciente: há coisas que a consciência desconhece e que, entretanto, existem e influenciam nossas vidas.

É interessante, nesse relato, que o pai permanece o tempo todo dormindo. Podemos nos perguntar por quê, já que ele participou da gestação e estava muito feliz com a vinda do filho. De fato, ele e o filho dormem juntos...

Ser pais participantes da gestação e do parto é estar envolvidos na paternidade, o que é coisa muito diferente do estar envolvido na relação com a mãe do próprio filho. Uma coisa é apoiar a gestação, outra é apoiar a mulher que a carrega! Esse homem, como muitos, está voltado para o filho. Ele vai ter seu filho, sua progênie. As mulheres continuam, com frequência, sem poder contar com a parceria masculina. Cada um tem um filho, separadamente, mesmo sendo o mesmo bebê.

Ao vazio do apoio moral do marido, se soma, não última, a sabotagem do pediatra que, ao receitar o leite artificial, está diretamente desqualificando o leite da mulher. Sobra somente a mãe da puérpera que busca ajuda. Concluímos que só nos resta a solidariedade feminina, que fortalecida e consciente, é a chave de volta que precisamos para empoderar as mulheres e para que elas possam ser mães ativas e conscientes de uma nova geração humana, mais saudável no corpo e na mente.

*Adriana Tanese Nogueira é psicóloga. www.ATNHumanize.com