Brasil, a América dos bolivianos

Por Gazeta Admininstrator

Iludidos por agenciadores, eles se concentram em Ciudad del Este e entram no País pela Ponte da Amizade

- Quantas pessoas são, hermano?

- Em total, umas seis.

- Tem de dizer a teus parentes que não façam caso de ninguém.

- E não há problema com a polícia?

- Não, não. Isso tudo fica a nosso cargo, hermano. Isso nós palmamos tudo para que cheguem. Na noite passada mandei dois ônibus: 76 pessoas e 14 criaturas (crianças). Esta noite vai sair outra vez.

A negociação lembra a de brasileiros com coiotes mexicanos para entrar nos Estados Unidos. Mas é entre um boliviano e um coiote paraguaio para trazer parentes a São Paulo. Favorecida pela falta de controle na Ponte da Amizade e pela ação de coiotes, Ciudad del Este virou a principal porta de entrada para bolivianos que querem trabalhar em São Paulo, clandestinamente. Centenas entram todas as semanas no País - a pé, de moto ou de táxi -, sem mostrarem nenhum documento ou serem abordados por autoridades de imigração. Como não se registra a data de entrada, tampouco se estipula a data de saída - por lei, eles podem permanecer como turistas por três meses, prorrogáveis por mais três.

Não há números oficiais da imigração irregular, só estimativas - fala-se em 60 mil bolivianos "indocumentados" em São Paulo. Que só fazem aumentar, sobretudo depois que Bolívia e Brasil fecharam acordo para regularizar a situação de bolivianos clandestinos no País e, entre outras coisas, coibir sua exploração em oficinas de costura. Só poderá se beneficiar quem chegou até 15 de agosto. Vende-se, porém, a ilusão de que todos que chegarem serão anistiados. "Os coiotes sabem, mas ludibriam as pessoas", diz a diretora do Departamento de Estrangeiros do Ministério da Justiça, Izaura Miranda.

"Não dá para ter idéia de quantos estão entrando, mas são centenas, milhares. Ajudados por quadrilhas organizadas de coiotes que entram com estrutura de hospedagem e transporte", diz o delegado executivo da Polícia Federal em Foz do Iguaçu, Geraldo Eustáquio. E num movimento expressivo a ponto de fazer muitos migrantes deixarem de lado antigas rotas, como Cáceres (MT), Corumbá (MS) e Guajará-Mirim (RO), na fronteira Brasil-Bolívia, onde se considera que o controle é maior.

A saga tem início geralmente em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia, onde empresas de ônibus vendem as passagens. Junto vão contatos de gente que "facilita" a entrada, os coiotes. É comum as pessoas saírem de lá com cartõezinhos com nome e endereço de quem devem procurar em Ciudad del Este. Ramon e Mariano são alguns dos mais conhecidos. Há ainda casos de donos de oficina de costura em São Paulo que pagam para que coiotes tragam empregados e depois descontam o custo da viagem de seus salários. Quem chega e não paga tem documentos confiscados por contatos de coiotes em São Paulo. Um deles foi flagrado pelo Estado na sexta-feira na esquina das Ruas Cantareira e João Teodoro, a um quarteirão dos batalhões da Rota e da Tropa de Choque, no Brás. O ônibus de 1986, que não mencionava o nome da viação, trazia apenas uma velha saudação: Feliz 2005!