Brasil desponta como destino no turismo de saúde

Por Gazeta Admininstrator

O fenômeno ainda é recente e, por isso, carece de dados oficiais. Mas os consultórios, clínicas e hospitais brasileiros já sentem seus efeitos e comprovam: aumenta, a cada dia, o número de estrangeiros que vãom ao Brasil para realizar procedimentos médicos e odontológicos.

Se há dez ou quinze anos era comum brasileiros procurarem tratamentos cardiológicos e oncológicos no exterior, hoje, o fluxo se inverteu. “O mundo está dividido em países que exportam e países que importam pacientes. O Brasil já faz parte do segundo grupo”, enfatiza Alex Lifschitz, sócio da Sphera Internacional, agência especializada no turismo médico. A exemplo de países como Índia, Tailândia, Malásia e Cingapura, que já se firmaram nesse mercado, o Brasil começa a investir no filão.

“O segmento de turismo de saúde é relativamente novo no Brasil. Há dois ou três anos não era enquadrado como turismo”, explica Vanilson Fickert, diretor técnico da Secretaria de Esporte, Lazer e Turismo do Estado de São Paulo. “Mas certamente atrai um público significativo e movimenta uma cadeia produtiva muito grande”, pontua.

Dados de 2003 do Ministério do Turismo apontam que o estrangeiro que vem ao Brasil por motivos de saúde é o que permanece por mais tempo no país (em média, 22 dias) e também o que gasta mais (US$ 120 por dia). Naquele ano, o grupo representou 0,5% dos estrangeiros que desembarcaram por lá. Em 2005, a porcentagem já chegava a 0,9% (aproximadamente, 48,6 mil pessoas).

A São Paulo Turismo, órgão oficial de turismo e eventos da cidade, foi uma das primeiras a detectar esse crescimento e a importância do setor. Em setembro de 2007, lançou um guia de turismo médico, bem-estar e qualidade de vida com informações sobre os principais hospitais, clínicas e laboratórios da cidade.

“São Paulo ocupa uma posição de des-taque no cenário médico”, afirma o vice-presidente do órgão, Tasso Gadzanis. Para os próximos anos, a intenção da São Paulo Turismo é divulgar a excelência dos serviços de saúde de São Paulo para todos os países da América Latina, enfocando também as possibilidades de lazer que a cidade oferece aos acompanhantes dos pacientes.

Atrativos
“O turismo médico cresce geometricamente no mundo”, aponta Lifschitz. Apenas em 2006, 500 mil norte-americanos foram a outros países para cuidar da saúde. Em países como os Estados Unidos, onde cerca de 50 milhões de pessoas não têm cobertura médica, o maior fator de repulsão são os elevados custos dos planos de saúde. Em outros, que contam com medicina socializada, como Canadá e Inglaterra, o principal motivo são as longas filas para alguns tratamentos complexos. Por fim, um terceiro grupo não dispõe de medicina de ponta e exporta pacientes que querem, e podem, bancar os procedimentos mais avançados existentes.

Qualidade do atendimento, prestígio dos profissionais e relação médico-paciente mais calorosa são alguns dos motivos que fazem muitos pacientes optarem por cruzar fronteiras e oceanos para serem atendidos no Brasil. Soma-se a isso, claro, a possibilidade de conhecer lindas paisagens naturais e de desfrutar das ótimas estruturas de compras e gastronomia de diversas capitais.

“Nos Estados Unidos e na Inglaterra, entre outros países, o médico é mais distante e o clima, mais formal. Nesses países, a relação médico-paciente é pontuada também pelo medo de expectativas irreais e a preocupação com possíveis processos jurídicos”, lembra a dermatologista Lígia Kogos.

Segundo ela, o médico brasileiro também é reconhecido no exterior por valorizar as queixas estéticas dos pacientes. “Nos países nórdicos, por exemplo, os médicos são mais parcimoniosos na hora de realizar qualquer intervenção”, revela.

Contudo, um dos principais fatores de atração para o Brasil ainda são os preços praticados por aqui. “Em relação aos países da América do Sul, muitas vezes, a diferença de preço não é tão significativa. Já em comparação a países como Portugal e Espanha, essa diferença varia de 30% a 50%, e pode chegar a 100% em relação aos Estados Unidos”, calcula Lifschitz.

Muitos estrangeiros vão ao Brasil apenas para cuidar da saúde. Já outros aproveitam viagens de lazer e negócios, ou mesmo visitas a familiares e amigos, para agendar desde consultas e procedimentos simples, até intervenções mais complexas. São Paulo e Rio de Janeiro ainda são os destinos preferenciais, mas outras capitais, como Salvador, Recife e Curitiba também começam a integrar o circuito médico.

Parte dos pacientes procura os profissionais de renome internacional, mas a maioria ainda chega ao Brasil por recomendação de familiares, amigos e conhecidos que elogiam a qualidade do serviço nacional e os resultados obtidos.

Para os que não têm qualquer indicação, a Internet tem se mostrado uma importante ferramenta na hora da escolha. Para facilitar a comunicação por meio desse veículo, muitos profissionais investem no material disponibilizado online. “Em meu site, todo o conteúdo está traduzido para o inglês e o espanhol”, conta a dermatologista Ana Lúcia Recio, de São Paulo. Na página do Hospital Sírio-Libanês, além dos dois idiomas, há informações também em árabe.

Plástica
Famosa em todo o mundo, a cirurgia plástica brasileira é ainda a mais procurada. Na clínica de Ivo Pitanguy, referência mundial na especialidade, cerca de 40% dos pacientes são estrangeiros. “Há 45 anos, meu pai recebe pacientes de todas as partes do mundo”, faz questão de ressaltar Gisela Pitanguy, médica-psicoterapeuta e diretora da clínica.

Entre os procedimentos mais requisitados estão as cirurgias estéticas da face e as plásticas nos seios e abdome, além da lipoaspiração. A clínica também é muito procurada para cirurgias reparadoras e corretivas.
O cirurgião plástico Henrique Siqueira, de São Paulo, é um dos que perceberam o aumento da demanda internacional nos últimos anos. “Há cinco anos, recebia um ou dois estrangeiros por mês. Hoje, já são de 20 a 30”, calcula.

Segundo ele, a combinação de excelência e custos inferiores é o grande chamariz do Brasil. Enquanto aqui nos Estados Unidos uma lipoaspiração custa cerca de US$ 10 mil, no Brasil o procedimento é realizado por bons profissionais por até um quarto desse valor. “Essa diferença de preço pode ser revertida para a compra das passagens e outros gastos com lazer no país”, lembra.

Outro motivo apontado pelos profissionais para a preferência é de ordem técnica. “O cirurgião plástico brasileiro tem um senso estético mais apurado. Ele começa a operar mais cedo e é mais criativo. No exterior, os médicos são muito pragmáticos”, avalia o também cirurgião plástico Charles Yamaguchi. Em seu consultório, 5% dos atendimentos são de estrangeiros, em sua maioria mulheres.

Em contato com pacientes inseridos em diferentes realidades, os cirurgiões percebem algumas preferências culturais. “A brasileira quer um corpo com mais curvas. Já a européia procura um corpo mais esguio”, revela Siqueira. Não à toa, a mulher nacional prefere a lipoescultura, enquanto a européia quase sempre opta pela lipoaspiração.

Estética
Ainda na linha de intervenções estéticas, a dermatologia aparece como outra especialidade muito demandada. “A procura de pacientes estrangeiros vem crescendo desde 2000”, diz Lígia Kogos. Em sua clínica, nos Jardins, em São Paulo, são atendidos até oito desses pacientes por mês, muitos deles comissários de bordo de empresas aéreas européias.

“Atendo muitas alemãs, suecas, dinamarquesas, suíças”, elenca Kogos. Aplicação de botox e preenchimento são os procedimentos mais comuns, mas muitos pacientes de Portugal e de Angola têm procurado a clínica para tratar doenças, como psoríase.

Outra área que arregimenta muitos fãs internacionais é a odontologia. A procura tem crescido tanto que a Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas já conta com um departamento de turismo. “O Brasil alia diversos fatores, como preço e qualidade, além do apelo turístico”, avalia Mário Groisman, implantodontista e periodontista que atende no Rio de Janeiro.

No Brasil, os preços cobrados são em média de 10 a 15% mais baratos do que no exterior. Entre os procedimentos mais requi-sitados estão as reconstruções (implantes, próteses e cerâmicas) e o clareamento, que revela muito sobre os diferentes conceitos estéticos. “O paciente americano gosta de dentes extremamente brancos. Já o europeu mais velho gosta de um sorriso mais natural, levemente amarelado”, conta Groisman.

Mestre pela Universidade de Lund, na Suécia, ele acredita que uma das grandes vitrines dos profissionais brasileiros no exterior são as publicações científicas, aulas e seminários internacionais. Por meio desses canais, os colegas de profissão estrangeiros conhecem o que é feito no Brasil e indicam para seus clientes.

Obesidade e reprodução assistida
As cirurgias de redução de estômago e os procedimentos de reprodução assistida também aparecem na preferência dos estrangeiros. “Nossas estimativas são de que 5% das cirurgias de redução de estômago realizadas no Brasil sejam em estrangeiros, algo em torno de mil cirurgias ao ano”, afirma Luiz Vicente Berti, presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

Segundo ele, a sociedade é a segunda maior do mundo em número de associados e registra um fluxo crescente de pacientes estrangeiros, em especial dos Estados Unidos e da América do Sul. No Brasil, uma cirurgia bariátrica custa, no máximo, $ 20 mil, enquanto nos Estados Unidos o valor chega a ser o dobro. Para o futuro, Berti prevê grande demanda de pessoas interessadas em tratamentos para a diabetes. “O Brasil está muito avançado nas pesquisas nesse campo”, enfatiza.

Na área de reprodução assistida, a procura é grande tanto para procedimentos medicamentosos, quanto para outros mais invasivos. O fluxo de pacientes começou há cerca de dez anos, quando se firmaram as técnicas e a capacidade de divulgação dos especialistas brasileiros por meio de publicações científicas. E a perspectiva é de que esse fluxo só aumente. “Cada vez mais a tendência é de postergar a maternidade”, lembra Eduardo Pandolfi Passos, presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida.

“Nossa qualidade técnica é ótima. Em nada deixa a desejar aos países desenvolvidos, mas com a vantagem de ser muito mais barata”, avalia Paulo Franco Taitson, doutor em reprodução humana. Segundo ele, a estimulação ovariana e a fertilização in vitro custam no Brasil, em média, um terço dos valores praticados nos Estados Unidos, país de origem da maior parte dos pacientes estrangeiros. “Na América Latina, as legislações não são tão restritivas e as técnicas, bastante uniformes”, explica. Já alguns países europeus exportam pacientes por limitações legais, como a Itália, onde é proibido o congelamento de embriões.