Brasil lidera casos de abdução de crianças dos EUA na América Latina

Por Arlaine Castro

sean goldman com os pais foto david house foundation
[caption id="attachment_161197" align="alignleft" width="263"] Chris Brann e o filho Nicolas, hoje com 8 anos. Foto: arquivo pessoal.[/caption] A subtração internacional de crianças (ou sequestro internacional) é o ato de transferência ou retenção ilícita da criança em país diferente daquele em que a criança detinha residência habitual, sem o consentimento de um dos genitores (pai ou mãe), responsáveis legais ou autorização judicial, segundo menciona o Ministério da Justiça. E o Brasil lidera os casos na América Latina de abdução de crianças levadas dos EUA, afirma o governo americano. Com a recente prisão dos avós brasileiros do menino Nicolas Brann, de 8 anos, em Miami, a polêmica sobre os casos de abdução parental internacional entre Estados Unidos e Brasil voltou à tona. Carlos Otávio Guimarães, de 67 anos, e Jemima Guimarães, de 65, forampresos no Aeroporto Internacional deMiami, no dia 7 de fevereiro, acusados de ter ajudado a filha, Marcelle Guimarães, de 39 anos, a manter o netoNicolasScottBrannno Brasil desde 2013 sem o consentimento do pai americano, Chris Brann, que mora no Texas. O caso se soma a outros que seguem no Brasil. Segundo dados do Departamento de Estado Americano, os casos de sequestro ("International Child Abduction") foram 25 em 2015 e 20 em 2016.Segundo o mesmo órgão, seis casos foram resolvidos em 2015. Em 2016, dois casos foram resolvidos, um foi encerrado e 17, ou 85%, permaneceram abertos até o final daquele ano. Em janeiro de 2018, segundo relatório estatístico geral de pedidos de cooperação internacional do Ministério da Justiça, o Brasil possuía 55 pedidos de cooperação internacional feito pelos Estados Unidos, não somente envolvendo crianças. Apesar de parceiros sob a Convenção de Haia* desde 2003, o Brasil é tido como “não cumpridor” da Convenção. A demora em resolver os casos é tida como principal causa. Pelo menos 68% dos pedidos sob a Convenção para a devolução de crianças sequestradas permaneceram sem solução por mais de 12 meses e a média que os casos levaram para serem resolvidos foi de mais de 4 anos. Desde outubro de 2017, o judiciário brasileiro passou a se esforçar para acelerar os casos e melhorar a familiaridade judicial com a Convenção. Apesar desses esforços, os Estados Unidos continuam preocupados com o fato de o Brasil “não conseguir resolver casos em tempo hábil e exigem que as autoridades brasileiras tomem as medidas adequadas para enfrentar esta situação”, descreve o relatório sobre o Brasil. Ainda assim, o governo americano diz que o relacionamento com a Autoridade Central do Brasil é “forte e produtivo”. Geralmente, as autoridades brasileiras tomaram as medidas apropriadas para ajudar a localizar uma criança somente após o pedido partir da Convenção de Haia e levou um tempo médio de três meses e 11 dias para localizar uma criança. Em 2016, a Autoridade Central dos EUA atuou em um total de seis casos abertos com a Autoridade Central do Brasil relacionados à Convenção de Haia no Brasil. Até 31 de dezembro de 2016, um caso (17%) havia sido resolvido, deixando cinco casos de acesso abertos há mais de 12 meses. Em contrapartida, o governo brasileiro registra, em média, um caso de sequestro internacional de criança (definido como o ato de transferência ilícita de jurisdição) a cada três dias, segundo a Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). Dos 287 casos de 2014 a 2016, 56% eram pedidos de devolução feitos por outros países ao Brasil, segundo publicado pela revista Veja. Entre janeiro de 2014 e agosto de 2016 (últimos dados disponíveis), 55 crianças voltaram para seus países e 25 regressaram ao Brasil em função de negociação internacional, de acordo com a SEDH. [caption id="attachment_161198" align="alignleft" width="300"] O menino Sean Goldman com os pais. Foto: David House Foundation.[/caption] Caso Nicolas Brann Semelhante ao caso “Sean Goldman”, que ocorreu em 2009 e acabou se transformando na lei americana David Goldman International Child Abduction Prevention and Return Act (ICAPRA), o pai do Nicolas tenta, há quase cinco anos, que o filho volte a morar nos Estados Unidos e a guarda seja compartilhada por ambos os pais. Como no Brasil, o processo é muito lento e Brann não obteve nenhum retorno até então, ele entrou com processo também na justiça americana, entretanto, a prisão dos avós não está relacionada com o processo em andamento no Brasil, segundo Brann. Ao Gazeta News, o americano explicou que o processo ao qual os avós respondem à justiça americana, nada tem a ver com o processo que corre na justiça brasileira. “Eles foram detidos aqui por uma denúncia criminal de sequestro e conspiração internacional parental. Trata-se de um caso criminal relativo a atos criminais alegadamente cometidos nos EUA para premeditar o sequestro”, menciona. Brann disse ainda que, o processo no Brasil é uma queixa civil que se concentra na Convenção de Haia para saber em que jurisdição deve ser determinada a custódia da criança e que a mãe, Marcelle Guimarães, é a única parte do processo civil porque tem a custódia do 'Nico' no Brasil. Não há, literalmente, nenhuma conexão entre os dois casos”, detalha. O americano destaca que o processo no Brasil deve ser encaminhado em breve para o Superior Tribunal de Justiça. “A justiça no Brasil é muito lenta, impossivelmente lenta”, argumenta o pai que faz visitas supervisionadas ao filho ao menos quatro vezes por ano em Salvador. Já o casal Guimarães contratou um advogado particular e será transferido da prisão em Miami para o Texas, onde deverão responder judicialmente, de acordo com o Consulado do Brasil em Miami que acompanha o caso e informou ainda que, na Flórida, foram cinco casos de sequestro internacional dos Estados Unidos para o Brasil em 2016. Para discutir a parceria judicial de ambos os países como membros da Convenção de Haia responsáveis pelos casosinternacionais de abdução infantil, no dia 30 de janeiro deste ano, uma delegação dos EUA liderada pelo secretário de Estado adjunto para Assuntos Consulares, Carl Risch, foi a Brasília. As autoridades americanas apontaram o encontro como produtivo, mas nada de concreto ficou resolvido ou foi mudado. *Convenção de Haia A Convenção de Haia sobre Sequestro Internacional de Crianças foi estabelecida em 25 de outubro de 1980, na cidade de Haia na Holanda e se propôs a elaborar uma convenção específica sobre a retirada ilegal de crianças do seu país de residência habitual, a qual foi promulgada no Brasil através do Decreto 3.413 de 2000, e concentrava-se, inicialmente, na cooperação entre os Estados. A Convenção de Haia obriga ao país que recebeu a criança indevidamente retirada do país onde tinha o domicílio que tome as providências que sejam necessárias para o retorno da criança. Por saída indevida deve-se entender aquela mudança de domicílio sem decisão judicial ou administrativa autorizativa. Ao todo, 96 países participam da Convenção, incluindo o Brasil e EUA. O Brasil, atualmente, é signatário de duas Convenções sobre o tema: a Convenção da CIDIP e a Convenção de Haia. A CIDIP trata da Restituição Internacional de Menores, mas tem abrangência, em termos de números de países signatários, muito menor que a Convenção de Haia.