Brasileira recém-chegada nos EUA consegue fugir da violência doméstica

Por Marisa Arruda Barbosa

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Outubro é o mês de conscientização sobre violência doméstica e coincidentemente ou não, vários casos têm aparecido nas imediações da Flórida, alguns deles envolvendo brasileiras, como a morte de Jorgete Acarie, no final de setembro, na região de Orlando. Infelizmente, mais de 100 mil incidentes envolvendo violência doméstica são denunciados na Flórida a cada ano, de acordo com o Broward Sheriff’s Office.

“A violência doméstica pode levar a ferimentos, traumas psicológicos, ou mesmo morte, e afeta toda a família”, disse o BSO em um comunicado sobre o mês de conscientização. Em quase um terço dos homicídios nos quais mulheres são vítimas, elas são mortas por um parceiro íntimo, segundo o National Coalition Against Domestic Violence.

Existe um sistema de ajuda a vítimas de violência doméstica. Às vezes, mesmo tomando todas as precauções, muitas vítimas não conseguem escapar, como foi o caso de Jorgete e de uma cabeleireira, em Orlando, que foi morta a tiros, na última semana, por seu ex-namorado, horas antes de uma audiência que decidiria se a ordem de restrição contra ele se tornaria permanente.

Felizmente, o caso da gaúcha Cynthia França foi diferente. Cynthia, 53 anos, mudou-se para Indiana com um visto de noiva, no dia 6 de dezembro de 2011. Quatro dias depois, estava casada com seu noivo que conhecera na internet dois anos antes. Ao longo do namoro, eles trocaram promessas e ele foi ao Brasil conhecer seus filhos e netos. Os planos de vida eram os mesmos: este seria o último casamento dos dois para que ficassem juntos até o fim de seus dias. Mas não foi bem assim.

Cynthia começou a conhecer a verdadeira personalidade de seu marido, com 56 anos, dias depois do casamento. “Não estávamos em lua de mel como deveríamos”, relata. “Quando perguntei o porque de seu comportamento diferente, ele foi me revelando, pouco a pouco, seu itinerário de médicos e uso de medicamentos para depressão”.

A partir daí, foram oito meses de horror. Cyntia sentiu-se como se fosse uma prisioneira. Ele a controlava financeiramente e emocionalmente. “Fui caminhando, dia a dia”, conta. Mas foi difícil, já que Cynthia tinha acabado de chegar a um país estranho e como todo o imigrante, sentia dificuldade de socialização. “Ele é ex-policial, e por isso nunca encostou a mão em mim, mas a violência mental e emocional era enorme”, conta.

Um dia, ele fechou a geladeira para que ela não comesse. Depois, tirou a internet sem fio para que ela não se comunicasse com sua irmã no Brasil. “Ele dizia que iria me denunciar para a imigração, dizendo que eu estava aqui ilegalmente”, disse Cynthia. Seu marido, como “sponsor” de seu processo, tinha que dar continuidade a seu processo de pedido de Green Card, para mudar seu status. Mas não o fez.

Um dia, Cynthia chamou a polícia, que fez um boletim de ocorrência falando da questão da internet sem fio e a disputa doméstica. Depois, pesquisando na internet, ela encontrou uma advogada brasileira em Nova York, especialista no assunto.

No dia 17 de agosto, Cynthia saiu de casa junto com o cachorro que os dois adotaram após o casamento. Ela deixou o cão com amigos e foi até Chicago encontrar sua irmã, que veio visitá-la. Elas ficaram em um hotel, fizeram contatos e a brasileira foi para Nova York para se encontrar com a advogada que conhecera pela internet.

Dependendo do que a advogada falasse na consulta, Cynthia iria decidir se voltaria para o Brasil ou se ficaria para continuar seu processo de residência. Foi então que ela descobriu que poderá proceder com seu pedido como vítima de violência doméstica. A advogada indicou alguns abrigos pelo país, a Cynthia decidiu ir para Orlando, onde tinha um sobrinho que poderia apoiá-la, caso precisasse de algo.

Foi do abrigo em Kissimee, Help Now Shelter, que Cynthia falou com a redação do GAZETA, por telefone. De lá, ela está fazendo os contatos para uma nova vida que se inicia, muito diferente do que planejara ao chegar aos EUA.

Agora, acaba de descobrir que uma associação de caridade católica irá ajudá-la a fazer seu processo de graça. Depois disso, quando conseguir a autorização de trabalho, Cynthia começará uma nova vida e poderá continuar pintando telas, sua paixão.

“Não penso que conhecê-lo pela internet tenha sido o problema”, analisa. “Mas penso que o problema é essa máquina de empresas de remédios nos EUA e as pessoas não conhecem a si mesmas”.

Uma perda que poderia ser evitada “É muito difícil lidar com uma perda de uma maneira tão traumática”, disse Viviane Acarie, irmã de Jorgete. “Toda a minha família está muito triste. Meus pais estão destruídos e eu não me conformo de ter perdido a minha irmã dessa maneira tão cruel. Nem ela e nem ninguém merece isso”.

Jorgete, que morreu aos 43 anos, tinha um longo histórico de idas e vindas à polícia tentando se proteger de seu ex-namorado e pai de seu filho de dois anos. Mas mesmo tendo chamado a polícia 56 vezes e tentado conseguir uma liminar permanente contra Kristofer Gould, de 33 anos, seu ele continuou perseguindo-a. Ela foi encontrada morta a tiros em sua casa em Orlando, no dia 26 de agosto, e tudo indica que seu filho presenciou o crime.

“Acredito, sim, que houve falhas do sistema”, disse Viviane, acrescentando que o suspeito está preso. “Eles poderiam ter agido de forma diferente, mas infelizmente é tarde demais. Nada foi feito”.

Como procurar ajuda Caso seja vítima de violência doméstica, você não está sozinho. Veja alguns telefones para pedir ajuda: Women in Distress 24-hour crisis hotline: (954) 761-1133 BSO’s Victim Services: (954) 321-4200 Florida Domestic Violence Hotline (ligação gratuita): (800) 500-1119 • National Domestic Violence Hotline (ligação gratuita): (800) 799-7233 • Em caso de emergência, disque 911. - Help Now – Domestic Violence and Sexual Assault Center (helpnowshelter.org): (407) 847-8562.