Brasileira revela os motivos do intenso fluxo migratório para a Flórida em livro

Por adminlytron

Foto de Carla Guarilha

Valéria Magalhães estudou em escola pública toda sua vida, na periferia da zona leste de São Paulo, para onde seus pais migraram na década de 60. O pai havia deixado o Maranhão e a mãe, Minas.

“Não tenho uma formação brilhante”, diz Valéria, que superou os obstáculos de uma educação primária e secundária relativamente fraca e criou sua própria – e brilhante – trajetória acadêmica.

Hoje, socióloga, doutora em História Social e docente da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo, ela esteve em Miami recentemente para lançar seu livro: “O Brasil no Sul da Flórida: Subjetividade, identidade e memória”, publicado e lançado no ano passado no Brasil, pela editora Letra e Voz.

Valéria diz que não sabe se seu interesse por questões migratórias vem da história de seus pais, mas ela tem absoluto fascínio pelo tema.

“Sempre tive uma paixão pelas viagens e pela imigração, não só como objeto de estudo”, diz ela. “Sempre fiquei fascinada com o fato da pessoa sair do lugar dela e às vezes não voltar, ficar longe de tudo e de todos”.

O livro, resultado de sua tese de doutorado, inclui 40 entrevistas feitas com brasileiros, entre 2002 e 2006, nos condados de Miami-Dade e Broward.

“Cada história que ouvia era incrível”, diz ela.

Um dos capítulos conta o caso de um gay que conseguiu asilo político alegando às autoridades americanas que corria risco de vida no seu país de origem pela sua preferência sexual. Outro conta a história de uma “go go girl” que se tornou garota de programa. “Quando entrevistei, ela estava atendendo no hotel. Ela deu a entrevista nos intervalos. Foi uma história, metodologicamente falando, bastante curiosa”.

Mas o que mais lhe surpreendeu foi o depoimento sobre um casamento para obter os papéis de imigração e condição legal como imigrante nos Estados Unidos, que custou R$ 18 mil. “Era uma exploração muito grande da pessoa que vendia o casamento. Fiquei meio surpresa com aquilo e quanto as pessoas se desdobravam para conseguir esse documento, o que elas aguentavam para se legalizarem aqui nos Estados Unidos”.

Negócios “Eu acho que tem mais brasileiros chegando para abrir negócios aqui ou investir, aproveitando a situação econômica brasileira e as taxas de juros americanas”, diz. “Esse não é um fenômeno novo, mas sazonal, que acompanha conjunturas específicas dos dois países”.

Próximo projeto Valéria aproveitou sua vinda a Miami para o lançamento do seu livri, há poucos dias, para dar início ao seu próximo projeto, que deve ter duração de dois anos. Será uma pesquisa extensa sobre homossexuais brasileiros na Flórida, uma parceria com Steven F. Butterman, diretor do Programa de Estudos de Gênero e Sexualidade na Universidade de Miami e autor de “Vigiando a (in)visibilidade: Representações midiáticas da maior parada gay do planeta”.

“Esses grupos, como gays, que não são estereótipos da imigração, quebram os paradigmas, de que a imigração brasileira para o exterior é só por causa das questões econômicas”, diz ela. “É também. Mas na Flórida, essa imigração tem muitas outras razões, muitas outras explicações e, historicamente, é diferente do resto”.

Dez anos se passaram desde o começo da pesquisa e a catedrática da USP diz que pouca coisa parece ter mudado, mas é isso que ela está voltando para comprovar.

“A hipótese principal agora é que, com a crise (econômica), os fluxos migratórios não se alteraram. Essa imigração continua tão importante quanto era - o que mais uma vez reforça meu argumento de que só a economia não explica a imigração (brasileira)”.

Ela diz que apesar das diferenças sociais, culturais e econômicas, foram razões subjetivas que fizeram com que esses brasileiros se mudassem para Flórida.

“A razão econômica é fundamental, mas não vai sozinha e é a mais fácil de você declarar”, diz ela. “Nenhuma razão estrutural se sustenta sem as questões subjetivas. A decisão de sair do país é tão difícil de tomar que você precisa de um impulso pessoal que te ajude a tomar essa decisão”.

E isso vale para a pesquisadora também. “Eu adoro a Flórida. Venho aqui e fico com vontade de ficar um tempo”, diz ela.

Mas agora não é mais estudante de doutorado e seus compromissos de pesquisas no Brasil lhe impedem de passar períodos mais longos como fez 10 anos atrás. Ela pretende vir por períodos curtos cada vez para atualizar os estudos.

Valéria diz que seu maior desafio foi e continua sendo convencer os colegas que Miami é um “objeto importante de pesquisa”.

“Esse brasileiro mais metido a intelectual – o brasileiro mais voltado para questão das artes, da intelectualidade — não gosta de Miami”, diz Valéria. “Miami é visto como o lugar das compras, lugar brega, mas insisto que é interessante estudar isso aqui. Há uma carência enorme de estudos sobre a Flórida".

*Essa reportagem foi publicada originalmente na coluna Direto de Miami, do Portal iG www.colunistas.ig.com.br/diretodemiami