Brokeback Mountain

Por Gazeta Admininstrator

Se o ano de 2004 foi marcado pela polêmica de dois filmes de enorme repercussão, "A Paixão de Cristo" e "Farenheit 9/11", o ano de 2006 certamente será lembrado, pelo menos em termos de controvérsia no cinema, pelo mais que polêmico " Brokeback Mountain", film a que vem arrebatando dezenas de prêmios mundiais e entrou na corrida do "Oscar" com 8 indicações e toda a "pinta" de favorito.

O mais curioso é que o drama gay dirigido pelo excelente Ang Lee, tem comovido pessoas de todas as idades, credos e etnias, e fazendo refletir até mesmo aqueles que professam uma homofobia das mais radicais. Afinal de contas, o filme narra uma história de amor entre dois cowboys (o símbolo máximo do machismo norte-americano) nos anos 60, onde a simples menção da palavra gay já seria motivo de agressões, excomunhão, expulsão de cada, quando não de brutal violência e até morte.

Embora a violência e a intolerância contra os homossexuais siga sendo um fato inegável, também é inegável que os níveis de aceitação e tolerância do estilo de vida dos gays tem aumentado bastante, em todo mundo.

Quem imaginaria, por exemplo, que num país machista como o Brasil, a Parada do orgulho Gay em São Paulo seria um fenômeno de aceitação e sucesso, atraindo mais de 2 milhões de pessoas, obviamente a esmagadora maioria não-gay?

Quem de sã consciência imaginaria que justamente há dois anos atrás, os dois candidatos à Casa Branca, George W. Bush pela reeleição que viria a obter e John Kerry, candidato democrata, estaria debatendo no horário nobre da TV aberta, o tema do casamento homossexual?
Mais ainda: que a Espanha, um dos países considerados mais "católicos" do mundo, seria um dos primeiros a legalizar de forma ampla e irrestrita, o casamento entre pessoas do mesmo sexo, seguindo os exemplos de Canadá, Holanda, Suécia, Dinamarca e Finlândia?

Mas a questão nem é essa. Pessoalmente só entendo a questão do casamento gay como um instrumento de luta pela igualdade de direitos civis. Afinal, a própria instituição do casamento tradicional está sofrendo um efeito corrosivo irreversível. Pelo menos em seus aspectos dogmáticos e ilógicos.

A questão é "Brokeback Mountain" e a quebra de um tabu que, confesso a vocês, me deixou surpreendido.
É que esse notável e emocionante filme não se trata, efetivamente de uma história de sexo entre dois homens e sim de um amor verdadeiro entre dois seres humanos.

O filme relata de forma sensível, humana e sem nenhum exagero ou apelação, o enorme conflito existente entre pessoas que se sentem escravizadas pelo preconceito e possibilidade de humilhação pública.
Faz todo e qualquer "straight" que tenha um mínimo de sensibilidade, sentir na pele a tragédia da rejeição, o terrorismo da condenação moral e crueldade dos que se sentem no direito de - em nome de seus credos religiosos, códigos morais ou por pura ignorância - impor aos demais o que acha que é "certo" ou "errado" .

Você já imaginou como seria se alguém se sentisse no direito de dizer a você a comida que você deve comer, o lugar que você deve ou não freqüentar? Com quem você pode ou não repartir afeto e carinho?
A sociedade está em constante mudança. A passo de formiga e sem vontade, como já disse muito bem Lulu Santos em sua antológica canção "Assim Caminha a Humanidade". Mas o importante é que seu movimento em direção ao futuro e ao progresso é irreversível.

Apesar das religiões fanáticas e radicais que tratam mulheres como animais, homossexuais como criminosos, e defendem a morte de todos os que não pensam da forma que eles pensam, a humanidade sempre caminhará em direção a quebrar todos os tabus, a celebrar a vitória da luz sobre as trevas, da tolerância sobre a ignorância e a violência.

É dentro desse espectro de humanidade e inclusão que "Brokeback Mountain", seu extraordinário elenco de atores (nenhum deles é declaradamente gay) e seu corajoso diretor se inscreve como uma página de grande iluminacão à humanidade, na medida em que extrapola sua mera condição de entretenimento (afinal, é "apenas" um filme, como dizem muitos) para alcançar uma posição de libelo pela liberdade e pela tolerância.

Não importa se ganhar 1, 8 ou nenhum "Oscar". O bom serviço já está prestado.
Merece ser visto por todos, principalmente por aqueles que ainda se contorcem quando ouvem a palavra "gay" (porque será que alguns heterossexuais se assustam e se irritam tanto com esse tema?). Estes certamente não vão sair do cinema "convertidos em gays" como alguns até podem imaginar.

Vão sair, talvez, apenas entendendo que a opção de estilo de vida feita por qualquer pessoa é apenas um direito pleno e inalienável de cada ser humano.

Alias, não foi justamente Jesus Cristo que disse que a ninguém cabe o direito de julgar seus semelhantes?