O casamento em crise do imigrante nos EUA - Viver bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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Casamentos são relações complicadas. Os casais, muitas vezes, arrastam para dentro da relação problemas não resolvidos que tinham desde antes se encontrarem. Trazem consigo questões de família, de desenvolvimento atrapalhado, objetivos de vida confusos e desejos abafados. A esse coquetel que, como água parada, polui o ambiente psíquico, se acrescenta, para o imigrante nos EUA, outro: a necessidade de estar juntos por medo da solidão.

Não é pequeno número de casais que mantém o relacionamento porque não têm família ou amigos onde se escorar. Se tivessem os pais por perto, tanto homens como mulheres, já teriam se separado e voltado para o lar natal. Permanecem juntos porque não sabem para onde ir e/ou se conseguirão sobreviver sozinhos num país estrangeiro nem sempre hospitaleiro. Com o tempo, porém, os problemas não enfrentados e tratados se tornam maiores e mais complicados. Como uma bola de neve, a tensão e as incompreensões vão crescendo até que um dos dois, geralmente a mulher, resolve enfrentar o dilema e assumir a solidão. Enquanto isso, anos de dor, briga e sapos engolidos se passaram. Impossível uma resolução rápida de tanto sofrimento, concordam?

Na minha prática terapêutica, encontro casais de diverso tipo. Há os sem solução, mas há também os que têm chances de reconstruir sua união – se somente tiverem a boa vontade e a dedicação para consertar o que tem conserto, se engajando no processo de mudança. Nada se consegue sem trabalho e atenção, como para tudo na vida. Deve-se, em primeiro lugar, compreender que, muitas vezes, as relações mais íntimas são aquelas onde se descarregam as frustrações mais intensas que nada têm a ver com o parceiro. Por não ter onde jogar a tensão do dia a dia, se aproveita o fato de alguém estar em casa, à disposição, e se descarrega o indesejável sobre ele ou ela. Isso é infelizmente muito comum, mas para o imigrante as tensões se acumulam pelas dificuldades inerentes à adaptação. Logo, o casamento se torna o lugar onde se despeja muito lixo psicológico e emocional, sacudindo bases muitas vezes já frágeis.

Além disso, no caso do casamento do imigrante aquela necessidade de estar juntos porque não se sabe estar separados, ou seja a dependência afetiva, tem o efeito colateral de provocar ressentimento. Não tem como ser verdadeiramente felizes e de bem consigo se passa-se o dia falando ao celular com o marido ou a esposa e quando em casa não se goza da autonomia de fazer as próprias coisas sem a participação ou a presença da outra pessoa. Se pode parecer “bonitinho” aos 18 anos, aos 30 é simplesmente doentio. Todo adulto precisa de um tempo a sós consigo mesmo. Deve-se poder usufruir da intimidade interior necessária para processar os próprios pensamentos e sentimentos, e somente depois partilhar qualquer coisa com o outro. Caso contrário, o desenvolvimento psicológico está podado e os resultados vão se manifestar com a certeza de um relógio suíço. Não é uma coincidência que haja tamanho consumo de ansiolíticos e antidepressivos entre esses mesmos casais. O preço para manter as coisas do jeito que estão é se drogar. O que aconteceria se estivessem no Brasil? Provavelmente, se separariam. Para logo construir uma nova relação, e repetir o padrão. Portanto, não é mudando de local que o problema se resolve. A condição de imigrante acentua questões que existiriam de qualquer jeito, mas que seriam amenizadas na terra de origem. Uma vez que o caminho de volta é cortado (sobretudo no caso do imigrante ilegal), a pressão interna cresce exponencialmente chegando a absurdos de sofrimento e tortura psicológicos que inevitavelmente se transformam em doenças psicossomáticas.

É preciso se conformar com o fato que uma crise não enfrentada só piora as coisas. Crises significam “oportunidades” em chinês. A crise é, pois, uma oportunidade de crescimento, de desenvolvimento e amadurecimento. Frear seu processo é como querer parar um rio. Se não de imediato, uma hora vai ocorrer uma enchente e, então, salve-se quem puder. Não serão os bens materiais que poderão salvar um casamento. Se é verdade que muitos permanecem juntos por interesse financeiro, não vai ser dinheiro que poderá segurar a enchente. Tranque um leão na jaula e tente acalmá-lo com verdões. O corpo físico como aquele psíquico vai mostrar os sinais do sofrimento reprimido e envenar a vida de todos.

O casamento haveria de ser uma parceria na qual cada um contribui e apoia o desenvolvimento do outro. Parceiros são aqueles que trabalham juntos, que crescem juntos e expandem seu poder pessoal. Aprendendo a compreender um ao outro e a entender aos desafios que cada um tem como pessoa, é possível transformar o que parece um inferno numa relação harmoniosa. Mas para isso, precisa ter vontade e coragem. Para que serve trabalhar feito loucos, adquirir casa própria, ir à Disney ou a Nova York várias vezes ao ano, se dentro da própria casa e dentro da própria alma só há desolação e deserto?

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com