O casamento simbiótico - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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A simbiose é um conceito da biologia e significa “uma interrelação de tal forma íntima entre os organismos envolvidos que se torna obrigatória”. Ou seja, começa-se por escolha e se termina por obrigação: “Estou com você porque tenho, e tenho porque preciso”. O querer livre já se foi...

Vamos fazer duas distinções. Primeiro, toda relação se constrói a partir de uma “troca”: se estamos num relacionamento é porque ele nos dá algo de importante para nós. Mas, na simbiose, a “troca” toma o lugar do oxigênio: não se vive sem. Segundo, quando se ama de verdade se tende a “não poder viver sem a outra pessoa”, mas este é um modo de dizer que tem valor num plano simbólico, enquanto que no concreto se faz lugar à maturidade de lidar com os inevitáveis altos e baixos e a distância física e emocional, às vezes, necessária.

O casamento simbiótico é algo diferente. Ele geralmente tem início no começo da juventude, quando a família de origem e, sobretudo, as feridas e falhas que esta deixou estão ainda fortemente gravadas na alma dos dois amantes, que anseiam por preenchimento. Os pombinhos, inicialmente, tendem a repetir o padrão mamãe-papai, prova é que há casais que se chamam de “filho” e “filha”, ou “mãe” e “pai”. Falta-lhes autonomia e independência.

Autonomia é a capacidade de realizar atividades por conta prória, e independência é poder ter iniciativa por conta própria. Sem elas, a individualidade lentamente se eclipsa e os dois viram um todo informe no qual não se distingue mais quem é quem. O casal simbiótico é como um indivíduo com duas cabeças e um corpo só. Mentalmente, eles se percebem diferentes, reconhecem falhas e qualidades de cada um. Mas, por baixo dessa camada consciente, existe o emaranhado de sentimentos inconscientes que eles partilham e que os amarram.

O nó da meada é que sua união não é em prol do desenvolvimento de ambos, mas da sobrevivência de ambos. Por isso, cada um tem que permanecer igual porque se mudar vai desestruturar a relação, e se a relação mudar ambos vão afogar. Ou seja, a relação simbiótica é uma relação neurótica.

Mas, como a vida não pode ser freada, sintomas e mal estares vão surgir. A pressão interna para a mudança (= mais autonomia e independência) vai perturbar. Então, geralmente, um vai se sentir “sufocado” e o outro vai se sentir “inseguro”. Papeis esses que podem variar, dependendo do momento, porque, na verdade, ambos se sentem assim. Quando em um bate a insegurança devida à percepção da própria dependência, tende a sufocar mais o outro, que recua, produzindo no primeiro mais insegurança. Mas se o primeiro adotar a postura oposta, de recuo, eis que o segundo irá se sentir inseguro.

O fato é que a vontade interna por novas experiências cresce inexoravelmente. Nesse caso, há somente duas opções: romper a simbiose para transformar a relação, ou romper a relação. Em ambos os casos, é preciso romper com alguma coisas e aguentar a angústia da morte e do desconhecido. Somente coragem, honestidade e boa comunicação permitem fazer a transição. Caso contrário, ambos estreitarão o laço simbiótico, sufocando mais energicamente o espírito de liberdade, inclusive com a ajuda de remédios ansiogênicos e calmantes. Alternativamente, um ou ambos encontram sua “autonomia” através de mentiras, traições e subterfúgios.

O paradoxo desse tipo de relação é que foi justamente graças à simbiose que ambos os indivíduos cresceram ao ponto de sentirem agora a necessidade interior de ir além: o tempo está maduro, é hora de virar gente grande.