Cinco anos depois, brasileiro relata como foi sua recuperação após transplante multivisceral

Por Marisa Arruda Barbosa

pedrinho

Assim como os pequenos Pedrinho e Sofia, há quase cinco anos o paulistano Renato Consonni, 34 anos, precisou de um transplante de órgãos delicado e buscou a ajuda do especialista brasileiro Rodrigo Vianna, nos Estados Unidos. Renato conta que a recuperação é “tranquila” e o importante é saber se cada quadro está “dentro do esperado”.

Nas últimas semanas, Sofia e Pedrinho, ambos com pouco mais de um ano de idade, passaram pelo transplante com o mesmo médico em Miami, no Jackson Memorial Hospital, hoje na liderança mundial de transplantes. Sofia recebeu cinco novos órgãos no dia 10 e Pedrinho foi transplantado com um novo intestino, no dia 2 de março.

Agora, ambos os bebês iniciam a delicada jornada de recuperação, processo pelo qual Renato passou há cinco anos e até hoje precisa de cuidados especiais.

No dia 16 de outubro de 2010, Renato fez o transplante de intestino delgado, estômago, fígado, pâncreas e duodeno. Seu baço foi retirado para abrir espaço para os órgãos. Renato não tem o intestino grosso porque esse tipo de transplante ainda não era realizado na época, segundo seu relato. A operação foi feita em Indianápolis, na Indiana University, no hospital no qual o médico Rodrigo Vianna atendia na época.

“O pós-operatório foi tranquilo, dentro do ‘esperado’. Em 10 dias eu tive alta, fui para a casa em que estava hospedado. Tive febre alta, fortes dores abdominais a ponto de tomar morfina. Mas a cada sintoma que tinha, perguntava ao médico: isso está dentro do previsto? E ele dizia que sim e que era meu corpo se entendendo com os novos órgãos”, explica. “Depois, começou o período de adaptação de voltar a comer. Fazia um ano que eu não comia nada e eu tinha que engordar. Consegui voltar a comer em fevereiro”.

Renato sofre de síndrome de Gardner, uma disfunção do gene APC que controla o crescimento das células que existem no cólon, os pólipos. “No meu caso, esses pólipos não param, crescem e viram tumores”, explica. Essa condição faz com que ele precise monitorar a saúde constantemente.

Quando Renato descobriu seu primeiro tumor anos atrás, ele já era inoperável: tinha 16 cm. “Com o tempo, esse tumor ‘enforcou’ o meu intestino, me obrigando a tirar o intestino e parte do estômago, o fígado e o pâncreas. Como fiquei sem sistema digestivo, minha nutrição ficou 100% dependente de parenteral, sem a ingestão de alimentos. Em média, a pessoa vive 6 meses nessas condições, pois para metabolizar o líquido que é bombado através das veias, por um catéter, outros órgãos são sobrecarregados. Com o tempo, eles têm falência”.

Durante o ano em que ficou sem o intestino, Renato foi internado aproximadamente 20 vezes, ora por hepatite, ora por pancreatite, além de diversas infecções.

Até hoje, Renato já passou por 23 cirurgias. Ele precisa tomar três remédios por dia, incluindo o imunossupressor, que inibe o sistema imunológico para que não lute contra os novos órgãos. “Como tomo imunossupressor, eu não posso vacilar com gripes e infecções. No ano passado, não cuidei de uma gripe que virou pneumonia e de uma hora para outra virou infecção generalizada. Quase morri. Foram 15 dias em coma”, relata. “Com certeza, já usei muito mais que as minhas sete vidas”, brinca.

Ao mesmo tempo, no Brasil, Renato sofre com o despreparo para tratar pessoas em sua condição. “Se eu sinto qualquer sintoma de gripe e vou a um pronto-socorro, quando conto sobre a minha condição eles ficam apavorados e querem me internar na hora”, diz.

ONG Renato voltou a trabalhar definitivamente em 2011. As mudanças em sua vida também se refletiram em sua vida profissional: ele saiu da agência de publicidade em que trabalhava e começou a trabalhar em ONGs. A mais recente em que trabalhou se chama “Casa do Zezinho”, na periferia de São Paulo, de onde está saindo para seguir algo que acredita ter como missão: abrir uma ONG na qual poderá ajudar pessoas com o mesmo problema que ele e escrever um livro contando sua experiência. “Seu eu soubesse a metade do que sei hoje, isso teria evitado muito sofrimento”, afirma. “Com certeza, existe uma missão por trás da minha sobrevivência”.

Espera Renato conta que sua espera por um doador foi curta. “Cheguei a Indiana no dia 2 de setembro de 2010, fiz diversos exames e entrei na fila no dia 1º de outubro. A espera foi curta, de 15 dias. Depois eu voltei no dia 31 de março para o Brasil. No total, foram sete meses nos EUA”, relata.

Em paralelo a viver sem o intestino, quando precisou retirar por conta do tumor, Renato precisou lidar com o despreparo e pessimismo dos médicos no Brasil em relação ao transplante multivisceral, que diziam que ele teria, em média, 10% de chances de sobreviver a sua situação de saúde. “Os médicos eram firmes em dizer que não existia esse tipo de transplante. Foi em uma das internações que me indicaram o Dr. Rodrigo. Em um mês eu estava nos Estados Unidos”.

A família de Renato conseguiu um empréstimo, vendeu um apartamento, seu carro, totalizando $705 mil dólares, além dos gastos com médicos particulares nas cirurgias no Brasil. “Tivemos que cancelar diversos planos e sonhos devido a esses gastos”.

Após transplantes, Sofia e Pedrinho se recuperam “dentro do previsto”

Após dez meses na fila de espera por um doador, a menina Sofia Lacerda, de um ano e três meses, passou pelo transplante de cinco órgãos, no dia 10, em uma cirurgia que durou dez horas. “Ela recebeu estômago, fígado, pâncreas, intestino delgado e cólon. Não foi preciso trocar um dos rins, como imaginávamos no início”, afirmou o médico, Rodrigo Vianna, que operou a menina em Miami, no Jackson Memorial Hospital.

Já Pedrinho, pouco mais de um mês depois do transplante, foi internado na UTI para tratamento de uma rejeição leve e um vírus. De acordo com sua mãe, Aline Lavra, exames mostraram no dia 14 que o menino está livre da rejeição.

Segundo o médico, Sofia já respira sozinha e o seguinte passo foi a introdução de algum tipo de alimentação. De acordo com sua mãe, a alimentação foi introduzida por tubo e ela passa por exames todos os dias.

Sofia nasceu em Campinas (SP) com Síndrome de Berdon, uma doença rara que causa a má formação de vários órgãos do sistema digestivo. A transferência da menina para os EUA só aconteceu por determinação da Justiça, que ordenou que a cirurgia, estimada em $2 milhões de reais, fosse paga pelo governo brasileiro.

Já Pedrinho é vítima da Síndrome do Intestino Curto (SIC), reflexo de uma má formação que fez com que seu intestino necrosasse.