Cinomose Canina - Saúde Animal

Por Dra. Paula Ferreira

cinomose-10241

Quase todo mundo já ouviu falar da cinomose canina, e sabe que é uma doença grave. Felizmente, existem formas de vacinas muito eficazes e a cinomose já não é tão comum. Porém, a doença não está completamente erradicada e ainda circula entre a população de cães, principalmente os mais jovens e que vêm de um abrigo (shelter) ou de pet stores, com histórico vacinação deficiente ou ausente.

Os sintomas da cinomose quase sempre começam com secreção nos olhos e no nariz, febre intermitente, perda de apetite e tosse com subsequente pneumonia.

O vírus ataca áreas do corpo que interagem com o ambiente, as membranas mucosas, começando pelo trato respiratório (pneumonia), mas não para por aí. O vírus então começa a atacar o epitélio gastrointestinal, causando vômito e diarreia. Às vezes, a doença pode causar o endurecimento do epitélio das almofadinhas dos dedos (foot pads). Após as fases respiratória e gastrointestinal (fases mucosas), o vírus se encaminha ao sistema nervoso central, iniciando a fase neurológica da doença. Esta fase é caracterizada por convulsões do tipo epiléticas, contrações da mandíbula (como se o cachorro estivesse mascando chicletes), tremores, perda de equilíbrio e coordenação motora, perda de controle dos membros (mais comumente os membros traseiros). Os sintomas podem progredir à morte ou tornarem-se estacionários, porém permanentes. A recuperação completa é difícil, mas é possível, e às vezes o paciente parece se recuperar por completo, mas apresenta sintomas neurológicos poucas semanas depois. Os filhotes mais jovens ou indivíduos com imunidade comprometida quase sempre morrem durante a fase mucosa; e os cachorros mais fortes podem passar pela fase mucosa com sintomas suaves que às vezes passam despercebidos e só demonstrar sintomas óbvios da doença quando entram na fase neurológica.

O vírus da cinomose é parecido com o vírus do sarampo humano. Há muito anos atrás, antes do advento da vacina contra cinomose, filhotes de cachorros eram imunizados com a vacina contra sarampo. O vírus da cinomose consiste de um filamento de RNA simples envolvido em um envelope lipídico (gorduroso). Sem este envelope, o vírus não é capaz de sobreviver no ambiente e por essa razão a transmissão viral tem que ocorrer através do contato direto de cão a cão ou com secreções corporais frescas (de menos de 3 horas em temperatura ambiente). O vírus pode, portanto, sobreviver ao congelamento por vários anos se estiver protegido da luz direta. Limpeza e desinfecção dos canis matam o vírus da cinomose com facilidade, pois causa a desestabilização do envelope lipídico. Um cão doente passa o vírus da cinomose a outro cão quando tosse e lança no ar as secreções respiratórias. A cinomose também pode ser transmitida através de outras secreções corporais, como por exemplo fezes e urina. Quando o vírus entra no organismo do cão, inicia-se a replicação viral. Os macrófagos, células do sistema imunológico, começam a envolver o vírus para tentar isolá-lo e destruí-lo através de enzimas. Infelizmente, para o cão hospedeiro, este processo não é suficiente para conter o vírus, que usa o macrófago como meio de transporte para atingir outras áreas do corpo do hospedeiro. Dentro de 24 horas, o vírus atinge os linfonodos dos pulmões. Após 6 dias, o vírus já foi capaz de migrar para o baço, estômago, intestino delgado e fígado. É nesse ponto que se nota o estado febril do paciente afetado.

No oitavo ou nono dia de infecção, o hospedeiro monta uma resposta imunológica crucial. Dependendo da capacidade desta resposta imunológica, ou seja, se for suficientemente rápida e eficaz, o animal começa a eliminar o vírus do seu corpo no décimo quarto dia após a infecção. Se a resposta imunológica for insuficiente, o vírus atinge as células epiteliais e o hospedeiro sucumbe aos sintomas.

Após um período de tempo, o vírus é capaz de se “esconder” no sistema nervoso e nas células da pele por um longo período, e após este tempo as convulsões podem começar a aparecer. Às vezes, as convulsões aparecem quando se pensava que o animal já se havia curado.

Quase todos os casos de cinomose nos EUA acontecem em filhotes. O colostro da cadela mãe no primeiro dia de vida fornece uma imunidade temporária, que desaparece quando o filhote tem 16 semanas de vida, deixando o filhote vulnerável se a série de vacinas não for administrada. Em países onde a vacinação não é rotineira, a cinomose pode atacar cachorros de qualquer idade.

A confirmação do diagnóstico de cinomose é baseada no quadro clínico, pois não há um teste ante-mortem (ou seja, no paciente vivo) que dê um resultado positivo ou negativo. O veterinário tem que avaliar o animal e a história clínica como um todo para chegar ao diagnóstico. Níveis de anticorpos contra cinomose altos podem ser devido à vacinação ou à infecção, e a diferenciação pode ser complicada. Se o cachorrinho apresenta sintomas, o diagnóstico é confirmado.

O diagnóstico também pode ser feito através de biópsia dos calos das almofadinhas das patas, ou até mesmo pela análise do líquido céfalo raquidiano, mas esses testes são mais caros e raramente usados.

O tratamento da cinomose está continuamente mudando. Como se trata de um vírus, não há antibiótico que seja efetivo. O mais importante neste tratamento é que o paciente tenha suporte físico que o mantenha vivo o tempo necessário para que o seu sistema imunológico possa combater a doença. Antibióticos são usados para controlar as infecções secundárias que frequentemente são associadas à cinomose, como por exemplo, a pneumonia. Manter a hidratação adequeda do animal é fundamental, pois através da diarreia e dos vômitos o paciente pode rapidamente chegar à morte por desidratação. Como os sintomas de cinomose são variados, o tratamento também é variado. As fases respiratória e gastrointestinal são mais tratáveis do que a fase neurológica. Cães que se recuperam da fase neurológica podem ter sequelas para o resto da vida, como por exemplo, convulsões frequentes ou paralisia de membros. Se as sequelas forem muito debilitantes, muitas vezes se recorre à eutanasia.

O diagnóstico definitivo e o tratamento da cinomose são difíceis, mas por outro lado a prevenção é fácil. A vacina contra essa doença existe desde a década de 50. Graças à vacinação, a cinomose hoje é uma doença rara, exceto nos abrigos (shelters) e, infelizmente, em algumas pet stores que vendem animais procedentes de “puppy mills”, como são conhecidos os criadores inescrupulosos que não fornecem o mínimo de higiene e prevenção de doenças.

A vacina contra a cinomose geralmente vem combinada com as vacinas contra a parvovirose, hepatite e parainfluenza, e, às vezes, podem ser combinadas com a vacina contra a leptospirose. A sequência de vacinação deve ser iniciada quando o filhote tem de 6-8 semanas de idade e deve ser repetida de 3 em 3 semanas até que o filhote complete 16 semanas de idade. Após esse ciclo inicial, a vacinação deve ser repetida anualmente até que, mais tarde, o reforço é feito de 3 em 3 anos, dependendo do protocolo usado pelo veterinário e dependendo também da região geográfica e da prevalência da doença. O uso da vacina contra o sarampo humano para prevenir a cinomose já não é recomendado há muitas décadas.

A vacina usada contra a cinomose pode ser uma das seguintes formas: a tradicional vacina obtida pela inativação do vírus, nesse processo o vírus vivo é modificado para induzir uma resposta imunológica sem causar a doença. A outra forma de vacina é obtida na forma recombinante, onde um vírus inofensivo contém uma fração do vírus da cinomose suficiente para produzir a resposta imunológica. Complicações em consequência da vacina são muito raras, mas são possíveis com a vacina de vírus vivo modificado.

Uma consequência da cinomose que, felizmente, não é comum é a chamada “encefalite de cães geriátricos”. Este tipo de encefalite é uma inflamação crônica do cérebro de um cão que sobreviveu à cinomose. O paciente vive sem problemas durante a maior parte da sua vida, mas os sintomas da fase neurológica aparecem quando ele atinge a idade avançada. Não se sabe exatamente o que causa os sintomas a aflorarem após tantos anos. Seres humanos podem contrair o vírus da cinomose, mas não são afetados por ele. No passado, pesquisas relacionando o vírus da cinomose à esclerose múltipla foram feitas, pois se suspeitava que a cinomose canina poderia causar a doença. Mais tarde se determinou que o vírus do sarampo humano pode estar relacionado à esclerose múltipla e, aparentemente, a cinomose canina não é capaz de causar nenhum dano à saúde humana.

Um cão que sobrevive à cinomose desenvolve imunidade permanente, mas pelo simples fato de que a vacina contra cinomose é administrada em combinação com outras doenças sérias, a vacinação deve ser continuada. Além disso, como a confirmação da cinomose como diagnóstico é problemática, há uma possibilidade de um diagnóstico equivocado. E não há mal algum em continuar a vacinação em um sobrevivente da cinomose. De fato, nesse caso, haverá uma rápida resposta imunológica contra o vírus da vacina e este será inativado exatamente como uma infecção natural.

Dr. Paula Ferreira - Ferreira Animal Hospital  | www.ferreiravetcare.com