ONDE FOI PARAR A CULTURA?

Por Por ADRIANA TANESE NOGUEIRA

Viver Bem

Remexendo em meus arquivos, encontrei uma carta que escrevi ao Prof. Ênio

Brito Pinto no ano de 2004. Ele foi meu professor na PUC/SP onde cursei o Mestrado em Ciências da Religião. Gostei muito do programa de estudos, senti- me revigorada no espírito e nutrida no cérebro. Reunidos naquele programa estavam algumas das melhores cabeças pensantes da academia, tão interessantes por concentrar em si o rigor acadêmico com o amor por um mundo melhor.

Graças a este programa de mestrado, descobri um Brasil que não tinha como não amar. Emergiu um país com substância cultural, estofo e mérito. Valores dos quais precisamos urgentemente hoje.

Para o curso do Prof. Ênio li e escrevi um texto sobre "Grandes Sertões Veredas" de Guimarães Rosa. Realizei este curso dez anos após ter retornado ao Brasil de Milão, Itália, onde cresci, vivi, estudei, trabalhei por vinte e cinco anos. O Brasil que encontrei após este longo exílio foi muito diferente daquele que conhecia através de meu pai e seus amigos, que é o mesmo Brasil que reconheço em muitas pessoas da geração que hoje tem setenta-oitenta anos. Até a linguagem havia mudado, era mais rasa e pobre em vocabulário, menos conjugações verbais e mais gíria. O curso na PUC de São Paulo foi um bálsamo para meu intelecto:

finalmente respirei cultura.

"Caro Ênio, Primeiramente quero agradecer-lhe por ter me induzido a ler Grande Sertão Veredas, que estou longe de terminar para o trabalho, mas que continuarei lendo porque não tem como parar. Fiquei impressionada e atordoada. O achei de uma profundidade, força, beleza e sabedoria que me tornam difícil até comenta-lo.

Grande Sertão Veredas impõe respeito e, aliás, o próprio Guimarães Rosa impõe respeito porque ele não poderia ter escrito uma obra prima como esta sem ter

escarafunchado dentro de sua própria alma.

A grata surpresa que o livro me traz é o apogeu daquilo que vislumbrei no seu curso: um outro Brasil. Desculpe minha ignorância, que agora está mais clara do que nunca, mas até então eu não havia ainda conseguido sentir o sabor da cultura brasileira. Eu, que morei fora do país, só alcançava algo de cultural, graças às músicas de Gilberto Gil e Chico Buarque. Tinha algumas noções de autores e história brasileira, e já li algumas coisas, mas eram distantes e sem cor. Quando vim para cá não consegui penetrar por baixo desta espessa camada de cultura massificada, homogeneizada e amortecida. Não encontrei caminhos para ir mais longe e mais fundo.

Graças a este programa e a este livro, estou agora começando a ver a consistência da cultura brasileira, no sentido mesmo de densidade, de vida vivida, construída, sofrida. Vejo tradição, inteligência e profundidade nesta malha colorida, e finalmente o Brasil não é só araras, sol tropical, futebol, loiras globalizadas, praias e compras. Agora posso começar a entender de fato o que dizia Milton Nascimento em "Notícias do Brasil" (no álbum Caçador de mim): "A novidade é que o Brasil não é só litoral. É muito mais, é muito mais de qualquer zona sul. Tem gente boa espalhada por este país, que vai fazer deste lugar um bom país. [...] Ficar de frente para o mar e de costas para o Brasil não vai fazer deste lugar um bom país."

Enfim, agora até dá gosto de ser (também) brasileira.