O Conforto do Estereótipo - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

estereotipo

Quem alguma vez não teve vontade de não ter certos sentimentos e pensamentos? Quem já não desejou eliminar os questionamentos e as dúvidas que surgem na mente sem serem mandados? Há momentos em que se daria tudo para poder dizer que, sim, gostamos de fazer tal coisa, de ir a tal lugar, de ser tal pessoa… Seria tão mais simples. E, no entanto, é só com esforço que conseguimos reprimir os pensamentos e sentimentos ameaçadores e concentrar todas nossas forças na realização daquilo que achamos que é o esperado de nós e que piamente acreditamos que os outros fazem ou são com tanta facilidade. Basta um singelo grão de diferença para estragar tudo, basta um olhar oblíquo, um sorriso amarelo, um gesto descontrolado, que nossa máscara cai atraindo sobre nós olhares constrangidos e constrangedores. Lutamos, enfim, para entrar no estereótipo e sufocamos em nós o que se rebela.

Apesar dos estereótipos oferecerem uma certa quantidade de variáveis para o comportamento e as escolhas, a verdade é que o arco de possibilidades permitidas é muito restrito diante da infinita variedade psicológica e da unicidade de cada ser humana. Basta pouco para sair do trilho e nos denunciar, revelar que algo em nós discorda, que o papel que apresentamos ao mundo não nos possui inteiramente.

Quando decepcionamos as expectativas (dos outros e nossas), fazemos então de tudo para apagar a marca da “desonra” e convencer os outros de que foi tudo um engano, um mal entendido. Ofegantes, asseguramos nossa fidelidade ao estereótipo, ao papel assumido, prometemos sua eterna repetição. Parece ser uma questão de vida ou de morte.

Estereótipos são confortáveis, macios e acolhedores. Oferecem as condições para um sono gostoso e uma viagem através da vida sem grandes sacudidas. Permitem evitar as responsabilidades e escolhas embaraçosas de quem pensa e fala em primeira pessoa, por si próprio. Por outro lado, as consequências das responsabilidades e escolhas permitidas pelo estereótipo, mesmo quando dolorosas, são amparadas pela mentalidade comum que “compreende e apoia”.

Estereótipos atendem as mais diversas fraquezas humanas: o medo de dizer o que se pensa, o medo de sentir o que se sente, o medo de expressar a própria visão das coisas, o medo de não ser amado e aquele de estar só. Mas também a ignorância, o orgulho e a preguiça. Sobretudo, os estereótipos nos poupam do esforço de ter uma vida interior, de pensar com a própria cabeça e do criar e burilar nossa própria realidade. Vestindo estereótipos entramos no fluxo da vida sem ter que parar para pensar. Tudo é “bom”, todos são “amigos” e de todos “gostamos”, e se não gostamos, fingimos, e está tudo “bem”.

No embalo dos estereótipos, esquecemos de quem somos e nos deixamos moldar conforme as situações requerem. Passeamos descontraídos pela vida. E tudo seria realmente perfeito se não fossem aquelas coisinhas que fogem ao controle: uma gastrite ou uma dor de cabeça, uma ansiedade “incompreensível”, um filho agressivo, um pesadelo recorrente, um corpo que engorda, aquelas lágrimas que inexplicavelmente escorrem enquanto se afirma que “se está bem”, as notas medíocre na escola e incapacidade de se concentrar no trabalho.

Tão confortáveis são os estereótipos que nos fazem esquecer que somos seres humanos.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach - www.ATNHumanize.com