Consciência e ficha - Cristovam Buarque

Por Cristovam Buarque

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Quando jovens lutamos para que os excluídos tomassem consciência das injustiças a que estávamos condenados; participávamos de programas de alfabetização e de organização política; tentávamos despertar os camponeses da situação de exploração a que eram submetidos; aos operários nas cidades explicávamos as regras do capitalismo dentro das universidades promovíamos debates ideológicos, filosóficos e políticos.

Estávamos convencidos de que a revolução chegaria graças à tomada de consciência das massas. Bastava mostrar as injustiças, explicar a lógica da perversidade social, provocar o sonho por um mundo melhor e formular os meios para construi-lo.

O golpe militar interrompeu a tomada de consciência social e passamos a tentar despertar o povo para a necessidade de democracia e contra os horrores da ditadura. O tempo passou e finalmente este sentimento se fez presente na maioria da população que nas ruas conseguiu implantar governos civis. Elegemos para presidente um professor vindo do exílio e um operário de partido explicitamente dos trabalhadores.

Apesar disso, de repente, em junho, percebemos que ao invés de tomada de consciência crítica ao sistema com proposta alternativa, apenas “caiu a ficha” de que a desigualdade, sobretudo nos serviços públicos, não diminui; o transporte público piora; os carros comprados levam horas parados no trânsito; enquanto os juros sobem, diminuindo a renda disponível. Os que conseguiram fazer cursos universitários não adquirem os conhecimentos necessários para assegurar um bom emprego. O sistema de saúde pública não atende com satisfação, enquanto que sofisticados hospitais privados atendem aos que têm o privilégio de acesso a eles. Ampliam-se as brechas entre a exigência e a possibilidade de educação, e entre a qualidade da escola pública dos pobres e a privada dos ricos. A cada ano, a violência dizima a vida, por meio de balas ou carros, de milhares de pessoas, a maior parte de jovens. Sobretudo, “caiu a ficha” de que a democracia elevou a corrupção.

A “queda da ficha” pelo descontentamento e perda de esperança coincidiu com a tomada de conhecimento do poder da internet para mobilizar as pessoas. Os jovens descobriram que tinham uma trincheira em casa, e uma poderosa arma de mobilização. Já não precisam de partido, de sindicato, de jornais, de televisão ou de rádio. O poder está com eles, e ocupa as ruas, sem consciência crítica ao sistema social, sem proposta revolucionária para tomar o poder, nem de o que fazer se ali chegarem. Não houve tomada de consciência, houve “queda da ficha”.

Isso não vai derrubar o regime, não vai construir um novo sistema social, mas vai inviabilizar o funcionamento do atual sistema perverso. A “queda da ficha” leva a ruptura do velho pacto social que permitiria a convivência de privilégios com a miséria, e vai forçar grandes concessões da elite privilegiada às massas pobres.

*Cristovam Buarque é professor da UnB e senador pelo PDT-DF