Consciência X How To - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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Tornou-se parte da cultura mundial, a valorização e a busca do “how to”, do como fazer as coisas. São as chamadas “receitas”. Para tudo tem uma receita: desde como encontrar um namorado e manter uma relação estável e duradoura até como fritar um ovo sem deixar espirrar o óleo. Como é sabido, foram os americanos com sua filosofia prática a inventar a vida com seu manual de receitas. Enquanto os latinos passam horas discutindo ideias, os americanos as transformam rapidamente numa “receita”, fácil e digerível, e a vendem ao público faminto por soluções rápidas.

Os requisitos para seguir receitas são: obediência às orientações dadas, precisão e respeito pela sequência oferecida, disciplina para seguir o trilho indicado. Os efeitos colaterais da receita é que ela põe a consciência discriminadora, a presença atenta, para dormir. Seguir uma receita pode até permitir alcançar resultados de imediato (e isso nem sempre), mas indiretamente desqualifica o poder criativo e a autoestima de quem segue a receita.

Dar receitas virou uma febre social, levando as pessoas a desconsiderarem que sua vida e sua psicologia, seus valores e seus amores são mais profundos do que uma pincelada de dicas e orientações genéricas dada por desconhecidos. Não existe uma pílula da felicidade, nem um remédio que eficazmente retire a dor do viver. É tudo mentira, tudo um fingimento conveniente.

É conveniente para quem vende livros de receitas psicológicas e é conveniente para quem os compra: uns ganham dinheiro e fama, os outros ganham tempo para manter a ilusão de que estão se tratando sem de fato fazer nada para verdadeiramente “pôr a mão na massa” e encarar sua realidade. Como baratas tontas, essas pessoas fogem da visão de seus problemas e/ou fuçam entre mil e uma dicas na internet, textos e atividades para “se resolver”. A única coisa que não fazem é parar e enfrentar o “bicho interno”. Se um médico tentasse curar um paciente com doença desconhecida chutando diagnósticos e tentando remédios sem fazer uma análise séria e detalhada do que ocorre no corpo do paciente e sem levantar o histórico pessoal e familiar do mesmo, ele deveria com toda razão ser denunciado e excluído do conselho de medicina.

É exatamente o que acontece com os “problemas psicológicos”. Tão pouca consideração é dada à alma e sua realidade, tão materialista é nosso sistema sociocultural, que não se percebe o absurdo do que se faz. Assim como uma doença física quando pega no início é, geralmente, facilmente curável, do mesmo modo os “distúrbios psicológicos” deixados mofar por anos e anos se tornam bolas de neve que requerem tempo (isto é, anos) para serem resolvidos. Sem falar das questões psicológicas que passam de pais para filhos, levando a comportamentos “esquisitos” nas crianças. Estes casos deveriam ser enfrentados logo para liberar a vida dos pequenos das cargas e problemáticas dos pais. No âmbito psicológico, as receitas não funcionam - ou não funcionam de verdade, no longo prazo e de forma profunda. É como tomar uma aspirina quando se tem dor de barriga. Pode até passar no momento, mas amanhã volta. Se as receitas funcionam em muitos casos no mundo material, a psique requer outra abordagem. Ela requer o desenvolvimento da consciência.

Esta palavra, que parece mística, mítica ou enigmática a muitos, é tristemente pouco compreendida. Consciência não tem nada a ver com preceitos religiosos, não é Deus falando com você nem é seu pai e mãe apontando o dedo para você. Consciência é como acender a luz num quarto escuro. Mas não só! É analisar com atenção tudo o que há no quarto agora iluminado. E não acaba aqui! Consciência é, em seguida, observar com quais olhos se veem as coisas que se veem, ou seja, descobrir talvez que se está usando um par de óculos velhos, ou desfocados, desatualizados. E talvez questionar a origem desses óculos, de onde vêm. Aí, consciência é observar novamente com atenção o que está no quarto, e talvez descobrir que há mais do que se havia visto no começo. Então, começar a entender cada parte desse espaço interno, e como atua em nossa vida. É dar nomes, rebatizar, reconsiderar, aprofundar, integrar, consagrar, jogar fora ou acolher.

O processo de enxergar uma realidade pelo uso de lentes corretas produz o efeito milagroso de agir sobre essa mesma realidade e transformá-la. No momento em que se compreendem as coisas por outro ângulo, vai-se como que instintivamente reconfigurando a realidade e aos poucos tomando novas atitudes. Cada uma delas é um passo e cada uma será precedida por nova consciência e análise.

No mundo psicológico a consciência toma o lugar da receita. Naturalmente, consciência implica coragem, honestidade e uma série de outras qualidades humanas valiosas. Quem adentra este caminho não está resolvido, mas está em melhores condições psicológicas dos que não ousam dar o primeiro passo na direção de seu processo de conscientização. Os que apostam em autoconhecimento estão, pelos menos, aprendendo a manejar a espada discriminatória da consciência, enquanto que os outros estão ainda brincando com suas fantasias coloridas, e apostando na sorte de acertar a loteria da felicidade.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com