Crianças e as tarefas domésticas

Por Adriana Tanese Nogueira

Mules brancas: Se você ainda não usou, agora é hora de despontar seu lado fashionista.

Descobri que as crianças podiam fazer tarefas domésticas quando tinha cerca de 10 anos. Morava na Itália, em Milão, e nossos vizinhos de apartamento, num bairro de classe média-baixa, tinham dois filhos, uma menina de 7 anos e seu irmão de 5. Lembro do dia em que estava na varanda, ao lado da delas, e devo ter visto ou ouvido alguma coisa. Foi uma revelação! Refleti, admirada, sobre o fato que ambos faziam sua cama, ambos, incluindo o menino de 5 anos! Aquilo ficou gravado na minha mente.

Naquela época eu não fazia nada em casa, e muito menos meus irmãos um e três anos mais novos. Repensando hoje, acho triste. Mas, entendo o porquê daquilo. Minha mãe nasceu no sul da Itália, numa família pobre e por isso rigidíssima em termos de trabalho: era labuta cotidiana, sem piar. Acredito que ela não quisesse o mesmo para nós, afinal, ela foi quase uma escrava, trabalhando sem folga pelo simples objetivo de contribuir para a existência e manutenção da família. Meu pai vinha de uma família de bens, do interior de São Paulo, onde casa e comida estavam sob os cuidados de uma empregada, como é esperado numa família “de classe”.

Ambos representam um quadro realista da atualidade brasileira. Há os pais que tiveram de menos na infância e que tendem a dar demais aos filhos; e há os que sempre tiveram uma mulher (empregada ou mãe) que fez por eles e que, portanto, acham que ser servidos é o jeito normal de viver. E há os que tiveram vida difícil e poupam os filhos das dificuldades. Todos estragam seus filhos.

Vivemos num tempo de enorme alienação da vida real, da vida ao vivo. As crianças não sabem mais que ovos vêm de galinhas e que galinhas são bichos com bico e penas, que por um tempo eram vivos antes de se tornarem nuggets. Crianças afogam seus neurônios em videogames e são incapazes de enfrentar o mundo, conquistar seu espaço, saber lidar com a realidade do jeito que ela é. Crianças estão sempre mais gordas, mais preguiçosas, mais prepotentes, mais insensíveis. Vivem num mundo irreal envolto em fantasias e desejos, seus, de seus pais, da mídia de massa. Crianças estão desconectadas de si próprias, com os sentidos embotados sofrem e são medicadas, perdendo a esperança de se encontrar novamente e serem um dia felizes.

Precisamos todos voltar ao básico da vida. Precisamos todos de mais simplicidade e humildade. Começa-se com as atividades domésticas. Sim, porque elas representam o pão de cada dia em termos de moradia. Todos precisamos de um teto, todos precisamos de um lar limpo, organizado, arrumado e por isso gostoso de se ficar. Todos começamos nossa vida num grupo. A família é a nossa primeira sociedade. Sentir-se parte ativa dela é motivo de orgulho para uma criança, lhe dá chão e ajuda a desenvolver maturidade. Lhe permite se situar, lhe ensina “como se faz”, a faz sentir parte do mundo de seus amados pais. Cuidar da vida material tem seu lado chato porque é repetitivo, mas isso é estar encarnados. Temos um corpo e precisamos comer, nos proteger, etc.

A boa pedagoga italiana, Maria Montessori, pensou numa educação que começa botando as mãos na massa, sujando-se mesmo, aprendendo o básico e indispensável da vida. Não estamos num videogame e não existem pais superpoderosos que podem providenciar ao infinito mimos e mordomias. Se queremos adultos conscientes, responsáveis e gentis, vamos começar a introduzi-los à realidade da vida, com amor, mas também sem dó. Lavar os pratos não é coisa de coitado, é coisa de gente independente e autônoma. Gente grande.