Crise de hipotecas leva a aumento de falências pessoais
Por Letícia Kfuri
Sem dinheiro suficiente para pagar o financiamento do imóvel onde moram, e com dívidas acumuladas ao longo do tempo, aumenta, a cada mês, o número de pessoas que decidem pedir falência pessoal, a fim de reorganizar suas vidas financeiras. No Brasil, não existe o recurso do pedido de falência para indivíduos, apenas para empresas. Mas, nos Estados Unidos, cresceu em 23%, em setembro, o número deste tipo de falência, em relação ao mesmo mês do ano passado. O fenômeno, afirmam especialistas do American Bankruptcy Institute (ABI), acompanha o aumento da inadimplência no segmento de hipotecas.
Segundo a pesquisa, o aumento, em relação ao ano passado, foi de cerca de 69 mil pessoas. Nos primeiros nove meses do ano, o aumento, em relação ao mesmo período de 2006, foi de 44,76%.
O pedido de falência pessoal nos EUA permite ao endividado “um novo começo”, explica o advogado, presidente da Klemow Law Firm, P.A., em Fort Lauderdale, Paul Klemow. O processo de falência interrompe o assédio de cobradores e permite que o devedor planeje seu orçamento para livrar-se das dívidas.
De acordo com a lei norte-americana, existem dois mecanismos básicos para o pedido de falência pessoal. São eles os capítulos 7 e 13. De acordo com o capítulo 7, a pessoa tem que se desfazer de ativos (incluin-
do parte dos ativos imobiliários) para saldar suas dívidas. O procedimento, segundo esse capítulo específico, tem uma vantagem adicional: o processo de execução da hipoteca é provisoriamente interrompido.
Capítulo 7
O estatudo federal de falências prevê um recurso chamado “discharge”, que corresponderia a um perdão da dívida. Este mecanismo permite que o requerente obtenha a liberação da responsabilidade pessoal com determinados tipos específicos de débitos. Com isso, o devedor não é mais exigido a pagar todos os débitos que forem incluídos no mecanismo de “discharge”.
Este mecanismo funciona como uma ordem permanente dirigida aos credores, impedindo-os de fazer qualquer tipo de cobrança dos débitos em questão. Os credores ficam também proibidos de tomar qualquer ação legal ou efetuar qualquer comunicação de cobrança com seus devedores, a exemplo de ligações telefônicas, cartas ou contatos pessoais.
Neste capítulo, o devedor abre mão de algumas propriedades que possuir, no momento em que pede a falência, as quais são vendidas por um depositário (administrador). Os bens são vendidos para pagar os credores. Esta é a regra geral.
Neste caso, podem ser confiscados bens como um carro, que já esteja totalmente pago, imóveis financiados com valorização de mercado (com equity), que não sejam a residência primária do devedor, “além de outros bens de valor”, poderão ser arrestados, explica Klemow.
Em outros casos, no entanto, quando o devedor não tem patrimônio, as dívidas são perdoadas, sem que haja nenhuma contrapartida de arresto de bens.
De acordo com Klemow, o capítulo 7 é o mais popular capítulo do código de falências norte-americano porque, em geral, os casos são concluídos em cerca de quatro meses, e a pessoa que solicita a proteção do código de falências não é obrigada a pagar seus credores com base em recebimentos futuros.
A partir da concessão dos benefícios do capítulo 7, a corte de falências libera o devedor dos débitos de consumo e de negócios mais comuns, explica o especialista. As dívidas que não são “perdoadas” neste caso, explica, são pensões alimentícias em atraso, folha de pagamento e empréstimos educacionais.
Capítulo 13
De acordo com dados do ABI, tem crescido a procura pela proteção do “Capítulo 13”, que também interrompe a execução da hipoteca e dá ao devedor um prazo de três a cinco anos para renegociar sua dívida. Para se qualificar à proteção desse ponto da legislação, o devedor tem de ter uma fonte regular de renda e manter-se em dia com os novos pagamentos.
Neste capítulo, o devedor, normalmente, mantém seu patrimônio, mas fica obrigado a fazer pagamentos regulares de seus débitos, a partir da aprovação do pedido de falência. O plano de pagamentos tem que totalizar, no mínimo, o valor que os credores receberiam se o devedor houvesse solicitado o capítulo 7. Os pagamentos são feitos a um depositário que se encarrega de pagar aos credores.
Quatro em cada 10 pessoas que declararam falência o fizeram pelo “Capítulo 13”, contra três, em cada dez, em setembro do ano passado. O registro de que a pessoa procurou proteção sob esse capítulo da legis-
lação permanece no histórico de crédito por 10 anos, o que dificulta a obtenção de alguns tipos de financiamentos.
Klemow alerta, no entanto, que “você não ganha uma casa de graça em um processo de falência”. Ele esclarece que o capítulo 13 pode ser utilizado para elaborar um plano de pagamentos de financiamentos imobiliários em atraso mas que, feito isso, é necessário que os pagamentos do financiamento sejam feitos regularmente, mês a mês. “Não se pode, por exemplo, utilizar o capítulo 13 para forçar uma empresa de financiamento imobiliário a reduzir as taxas de juros de seu contrato”, exemplifica.
O especialista esclarece que, em caso de financiamento de imóvel com um “co-sig-ner” (co-responsável assinando o contrato), o “co-signer” continua responsável pelo pagamento de sua parte.
Perdão das Dívidas
Nem todos os débitos são perdoados em um processo de falência pessoal, mesmo se o devedor cumprir todas as suas obrigações financeiras. Primeiro, explicam os especialis-
tas da ABI, um processo de falência ape-nas perdoa débitos que o devedor possuía e informou no momento em que iniciou o processo de falência, e não aqueles que surgirem após iniciado o processo.
Débitos que não são perdoados incluem alguns impostos, dívidas não informadas no processo, pensões alimentícias, dívidas de manutenção e suporte de familiares, dívidas decorrentes de danos ou morte provocada pelo devedor, resultantes do uso de drogas ou álcool, a maioria das dívidas de empréstimos educacionais, e taxas de condomínio.
Outros débitos que podem não ser perdoados incluem aqueles resultantes de fraude praticada pelo devedor, ou decorrentes de atos de má fé. Somente serão perdoadas tais dívidas caso o credor não solicite à corte sua cobrança.
Patrimônio
Ficam, geralmente, isentos de confisco, em casos de falência, explica Klemow, o imóvel utilizado como residência pelo devedor, caso esteja financiada, veículos que não tenham valorização superior à dívida, mobília, valores depositados em contas de aposentadoria (401K), valores investidos em planos de previdência, jóias de pequeno valor, ferramentas, entre outros.
“Checklist”
O Consumer Education Center (Centro de Educação do Consumo) elaborou uma lista dos aspectos a serem considerados por quem está cogitando pedir falência pessoal. Você deve pensar em falência se:
1 – A maioria de seus débitos não é garantida, a exemplo de cartões de crédito, e contas de hospital ou médico.
2 – O seu débito total, não incluindo o financiamento de carro e casa, é maior do que você pode pagar, mesmo em um prazo de cinco ou mais anos.
3 – Empresas de cobrança estão ligando para você, em casa e no trabalho.
4 – Você tem mais de um pagamento atrasado em mais de 30 dias.
5 – Há cobranças legais contra você.
6 – Você tem contas médicas elevadas, não cobertas pelo seguro.
7 – Você não tem dinheiro para pagar os impostos.
8 – O seu patrimônio é modesto.
9 – Suas economias são pequenas.
10 – Você já teve algum patrimônio
retomado por falta de pagamento.
O que é o capítulo 7
Prevê o “perdão” de algumas dívidas.
Impede os credores de fazer cobranças.
Impede os credores de tomar qualquer
medida judicial contra os devedores.
Prevê o penhor de algum patrimônio
para garantir o pagamento da dívida.
A não existência de patrimônio não elimina a possibilidade de concessão da falência.
O que é o capítulo 13
O devedor se compromete a cumprir um plano de pagamentos.
Permite ao devedor manter seu patri-mônio, mesmo que esteja com prestações em atraso.
Dá prazo de três a cinco anos para o devedor regularizar suas dívidas.
