Depois de ajudar na reconstrução de Nova Orleans, brasileiros escolhem a cidade como novo lar

Por Marisa Arruda Barbosa

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Este mês, marca o oitavo aniversário desde que o furacão Katrina devastou a cidade de Nova Orleans. Hoje, com 80% da cidade reconstruída, imigrantes que se mudaram para a região devido à demanda por mão de obra são reconhecidos como a equipe de resposta rápida à situação de emergência enfrentada pela cidade. Muitos deles, que foram para trabalhar, acabaram considerando Nova Orleans o seu novo lar. Essa mudança demográfica na cidade inclui, em sua maioria, hondurenhos, mas também muitos brasileiros. Por isso, a presença de restaurantes, igrejas e outros serviços brasileiros é maior hoje em dia do que a oito anos atrás.

Depois que o furacão de categoria 5 atingiu a cidade, no dia 29 de agosto de 2005, matando mais de 1,7 mil pessoas e desabrigando centenas de milhares, muitos não retornaram (cerca de 20% dos desabrigados), mas os latinos preencheram esse espaço, provocando uma grande mudança geográfica na região. Imediatamente após o furacão, o goiano Marlos Barbosa foi para Nova Orleans com a companhia Cox Cable, para reinstalar cabos de comunicação. “As pessoas estavam ilhadas, literalmente, sem nenhuma comunicação”, lembra ele, que conta que muitas vezes foi a primeira equipe a chegar em casas devastadas pelo furacão.

Depois disso, entre 2006 e 2009, a demanda por mão de obra para o trabalho na reconstrução na cidade atraiu muitos latinos e especialmente brasileiros. De acordo com um estudo da Universidade Tulane e da Universidade da Califórnia em Berkeley, em 2006, cerca de metade da mão de obra para a reconstrução de Nova Orleans era latina, e 54% deles na condição de imigrantes indocumentados.

“A comunidade latina foi essencial para o ressurgimento da cidade após o Katrina. Nossa

maior força provém da nossa diversidade”, afirmou o prefeito de Nova Orleans, Mitch Landrieu, ao dar as boas vindas aos participantes do encontro anual do Conselho Nacional da Raça (NCLR), uma influente organização hispânica que data de 1968. Em junho deste ano, a organização escolheu a cidade como cenário do encontro justamente para fazer notar a marca dos latinos em sua reconstrução.

Embora os números sejam bastante incertos, o Consulado Brasileiro estimou, na época, que a população brasileira na região chegou a 12 mil pessoas. Outros, citam uma população de 5 mil no auge da demanda por mão de obra. Hoje, a estimativa é que o número caiu para 2 mil pessoas. Mas o curitibano Edelson Martins, que se mudou da Califórnia para Nova Orleans para trabalhar com construção, há seis anos, acredita que há mais brasileiros.

“Acho que deve chegar a 3 mil pessoas”, disse Edelson, que abriu o restaurante Churra’s Brazilian Grill há pouco mais de um ano. “Só aqui, na região de Kenner, existem três igrejas brasileiras. Outro dia encontrei dois brasileiros na fila do banco, me senti no Brasil”, disse. Fora isso, do ponto de vista empresarial, há vários brasileiros se estabelecendo em áreas diferentes, desde a venda de carros, mercadinho, pizzarias e empresas na área de construção especializadas.

 "Estou onde o trabalho está"

O paranaense Fernando Aguiar, de 35 anos, vivia em Orlando quando, em 2006, começou a trabalhar com o transporte de grupos para atuar na área de construção civil em Nova Orleans. “Eu via a destruição na TV e não sentia nenhuma vontade de ir para lá”, conta Fernando, que a cada viagem transportava entre 50 e 60 trabalhadores. Mas foi a maior oferta de trabalho que o atraiu para também viver na cidade, onde hoje se encontra estabilizado. “Eu estou onde o trabalho está”, disse Fernando. Fernando está nos EUA há 13 anos e, atualmente, além de ter sua própria companhia de construção, é locutor de uma rádio online para os brasileiros da região (radioestudioshalom.com). Fernando conta que quando chegou à cidade, meses depois da passagem do Katrina, as marcas da destruição eram ainda recentes. “Me lembro do silêncio na cidade”, disse. “Havia muito lixo na rua ainda, e mesmo que meses tivessem se passado, ainda não era possível entrar na cidade. Primeiro chegava o exército, as ruas eram limpas e, por último, nós, da construção civil, entrávamos”.

Presença de igrejas brasileiras

O pastor capixaba Adriano Bento da Silva, da Assembleia de Deus Shalom Pentecostal, vivia em New Jersey desde 2004. Quando viu a quantidade de imigrantes se deslocando para trabalhar em Nova Orleans, resolveu mudar para a cidade como missionário, em fevereiro de 2006. “Tudo ainda estava muito devastado. Comecei a igreja em uma casa sem luz e sem nenhuma condição de conforto. Eu vivia em cima da casa e fazíamos os encontros embaixo”.

Hoje, a igreja tem cerca de 50 membros, já que Nova Orleans foi marcada, nos últimos anos, por uma grande rotatividade de pessoas. “Os membros de hoje não são os mesmos do começo”, conta Adriano, que não tem planos de sair de Nova Orleans. “Não havia nenhuma igreja de língua portuguesa na região até o Katrina passar por aqui. Foi aí que surgiu a necessidade”.

Adriano vê isso como um dos legados do Katrina: a presença maior de igrejas na cidade, citando uma passagem bíblica (Jeremias, Cap. 29, Versículo 7), que pede para as pessoas trazerem a paz para a cidade para a qual foram transportadas. “Essa é uma mensagem forte para o povo de Nova Orleans”, observa. CensuS Segundo o Census de 2012, os latinos são pouco mais de 5,2% do total de 369.250 habitantes da cidade, em comparação com 3,1% em 2000, e o aumento é ainda mais palpável em subúrbios como Kenner, – conhecido como “A pequena Honduras” -, onde os hispânicos passaram de 14% para 22% da população, entre 2000 e 2010.

“Dizem que aqui na região há mais hondurenhos do que em seu próprio país”, brinca pastor Adriano. Assimilação cultural Edelson conta que seu restaurante brasileiro foi bem aceito pela cidade. “Eu não abri o restaurante somente dependendo da clientela brasileira, mas para um público diverso”, avalia. “Dizem que a culinária brasileira tem muito a ver com a comida creole (típica da região), já que não temos medo de temperar as comidas”.

De acordo com o empresário, 50% de sua clientela no restaurante é latina, 25% brasileira e 25% americana.

Algo que encantou Edelson em Nova Orleans foi a facilidade de assimilação cultural em uma cidade influenciada por tantas culturas, como a francesa, espanhola, italiana e africana, criando uma culinária única, com pratos como gumbo, jambalaya, po-boy, entre outros. Como um dos legados do Katrina, a culinária latina e a brasileira poderão agora contribuir para essa grande mistura cultural.