Deportação: e agora, o que fazer com os pertences?

Por Marisa Arruda Barbosa

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Quando um imigrante é deportado para o Brasil, não importa se ficou dois ou 20 anos nos Estados Unidos, o país do consumo, sempre terá mais de uma mala para levar de volta. Recentemente, o Gazeta News contou a história de Andreia Beloniel, uma brasileira que foi presa trabalhando como acompanhante de luxo, e como estava ilegalmente nos Estados Unidos, foi colocada em deportação voluntária. Em menos de um mês, ela já estava de volta ao Brasil. O que aconteceu com seus pertences, que adquiriu em dois anos nos Estados Unidos? Algumas coisas puderam ser colocadas no limite de bagagem permitido pela imigração (37 libras), mas o restante ainda está espalhado por casas de pessoas que se dispuseram a ajudar.

Beloniel, no entanto, teme que algumas dessas pessoas tenham sumido com o que era seu. A pastora Marlene Amaral, que resolveu ajudar a brasileira, afirma que seus pertences estão guardados, aguardando o momento e a forma certa de serem enviados para o Brasil. “Tem muita gente deportada que não tem nem escolha, e suas coisas têm que ficar para trás. Ninguém tem a obrigação de enviar. Ela tem sorte”.

Amaral conta que essa não foi a primeira vez que ajudou um deportado a recuperar seus pertences. Ela já ajudou pessoas a recuperarem seus documentos, mas afirma que foi a primeira vez que se dispôs a enviar roupas. Entretanto, nem todo mundo tem a sorte de ter um amigo confiável.

Trabalho social vira serviços de empresa Foi fazendo “favores” e essa espécie de serviço social que a empresa de serviços jurídicos Total Help, que tem escritórios em várias partes dos EUA e também no Brasil, percebeu uma lacuna de serviços profissionais no auxílio a pessoas voltando para casa.

A presidente da empresa, Regiane Luna, conta que há mais ou menos 10 anos, o principal foco da empresa era a prestação de serviços a pessoas que tenham sofrido acidentes, mas com o aumento do número de deportações e de pessoas voltando ao Brasil voluntariamente, o serviço de ajuda nesse sentido tem aumentado bastante.

“A Total Help ajuda, primeiramente, com a prestação de serviços jurídicos, enviando um advogado para a prisão de imigração, para avaliar o caso”, explica Luna. “Se tiver como lutar, o caso segue em uma direção, mas se o caso for realmente de deportação, a Total Help oferece também o serviço de tomar conta dos pertences da pessoa, vender e enviar o dinheiro para o Brasil”.

Título de carro Em caso de pertences como carros, a Total Help leva o título para que a pessoa assine e repasse para a empresa, que vende o veículo e envia a remessa para o Brasil.

“Como estamos no Brasil e nos EUA, a pessoa sabe que, caso precise, pode reclamar com a gente no Brasil”, disse Luna. “Isso dá mais credibilidade para pedir os serviços de uma empresa do que um amigo não confiável, que pode causar decepção”.

Conta bancária para deportado No caso de dinheiro, por exemplo, a empresa não pode ter acesso à conta bancária do cliente, mas o cliente pode fazer um cheque com o valor que tem no banco para a Total Help, que envia o dinheiro em remessa para o Brasil. Para cada tipo de serviços, cobra-se diferentemente.

Com alguns potenciais erros, a empresa aprendeu a estabelecer regras. Uma vez um cliente da Flórida pediu que buscassem $7 mil dólares guardados em seu quarto. Quando a empresa chegou lá, o quarto estava aberto e o dinheiro não estava lá. Luna conta que a empresa não passou pelo inconveniente de ser acusada, pois o cliente disse que já teve problemas no passado com as pessoas com as quais dividia o apartamento. Mas o caso abriu um precedente: se a pessoa tiver “roomates”, esse pode ser considerado responsável. “Ainda podemos ir até a casa, mas a pessoa tem que assinar um termo reconhecendo que não somos responsáveis caso suas coisas não estejam onde ela imagina”.

Luna conta ainda do caso bem sucedido de um apartamento quitado de um cliente que foi deportado e vivia em Deerfield Beach. “Nós preparamos uma procuração e nosso advogado representou o cliente no momento da venda. Quem efetuou a venda foi uma imobiliária e como se tratava de um apartamento barato, a venda foi rápida e, em menos de três meses, enviamos o dinheiro para o cliente no Brasil”, relata Luna. “Mas também já tivemos casos em que a pessoa perdeu tudo, pois a casa já estava sendo pega pelo banco (foreclosure)”.

Braço direito dos imigrantes deportados

A paranaense Tania Mello vive em Pompano Beach há 16 anos. Nos últimos cinco anos, ela se tornou o “braço direito” de muitos brasileiros enfrentando a deportação. “Em anos vivendo aqui, a gente acaba conhecendo muita gente, e como sou cidadã, não me importo em ajudar as pessoas na imigração”, conta. “Geralmente a pessoa vai para prisão comum, e depois é encaminhada para o centro de detenção da imigração. Caso sejam deportadas, o procedimento demora mais ou menos um mês, por isso dá tempo de cuidar dos pertences dela antes do retorno”.

Mello diz que deposita dinheiro na conta da pessoa detida, para que ela possa fazer telefonemas. Dessa forma, ela as ajuda a negociar e vender suas coisas antes do retorno. “Sempre que pedem, a gente ajuda. Mesmo sendo cidadã, eu continuo sendo imigrante. Muita gente fala que vai ajudar, mas não ajuda”, disse. “Como o detido precisa muito do dinheiro, tem gente que se aproveita e paga bem menos pelos pertences”.

A Imigração pode confiscar bens?

O Gazeta perguntou ao Immigration and Cutoms Enforcement (ICE) se, em algum momento, a imigração poderia confiscar os bens de uma pessoa em deportação para, por exemplo, pagar pelos gastos da deportação. Tanto o ICE, como profissionais e pessoas que tiveram contato com deportação negam já terem visto isso acontecer.

“O ICE não confisca os bens de um indivíduo para pagar os custos da remoção. Não há nenhuma disposição de lei que permitiria tal ação. É de responsabilidade do indivíduo fazer os arranjos como julguem necessário quanto a seus bens e propriedades”, disse o ICE.

Mello afirma que já viu casos em que a imigração, caso pegue um indocumentado dirigindo, pede que chame alguém que tenha carteira de motorista para buscar o veículo.

A advogada Ingrid Domingues Mc-Conville diz que, em 18 anos de profissão, nunca viu os bens do deportado serem confiscados. Mas explica que, em caso de fraude contra o governo Federal, onde a vítima do crime é o próprio governo, os bens do indivíduo podem ser confiscados. “No caso de pessoas comuns, cujo único delito seria de ter passado do tempo do seu visto, eu jamais vi um caso de bens confiscados sem uma razão legal”.

Mais deportações De acordo com o Censo americano, em 2010, o número de brasileiros foi o que mais caiu entre as 25 principais comunidades estrangeiras nos EUA, com uma queda de 5,44% em relação a 2009. No estado da Flórida a redução foi de quase 16%, considerado o maior êxodo de comunidades brasileiras no país. Luna arrisca-se a dizer que pela demanda que tem tido, esse número deve ter aumentado em 2011 e 2012.