As deusas da mitologia grega e seu significado para nós - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

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A psicologia junguiana e pós-junguiana compreendeu os deuses do passado como arquétipos do inconsciente coletivo, ou seja, como padrões mentais, sentimentais e perceptivos da realidade humana. Assim como cada deus do passado exigia sua oferenda, ou seja, seu reconhecimento, os arquétipos necessitam de um espaço em nossa vida para nos garantir equilíbrio e saúde. Ter consciência deles e compreendê-los torna possível localizá-los nas experiências e buscas que produzem, permitindo-nos entender melhor o que queremos e onde estamos indo.

Desde de 1996, trabalho com o “Caminho das Deusas” no intuito de promover o autoconhecimento e o empoderamento do feminino e, ao mesmo tempo, ajudar os homens a entenderem os padrões afetivos de relação que eles estabelecem com as mulheres e compreender melhor suas esposas, filhas, mães, namoradas e amigas - o que resulta em melhores relacionamentos, mais harmoniosos e seguros, onde cada um encontra seu eixo e sabe do que precisa. Vamos ver agora as características de cada deusa desse Olimpo psíquico e o que têm a nos dizer.

Na entrada de nossa vereda está Héstia. A deusa da lareira representava o fundamento do lar, tornando-o um espaço seguro e pacífico, onde união e amizade definem os laços entre seus membros. Esta é uma deusa silenciosa e tranquila, afasta-se de brigas, não é representada com outras imagens que a da lareira com seu fogo circunscrito e sagrado. O fogo, que dá alimento, luz e aconchego, transforma a casa num lar, um grupo numa família, os estranhos em amigos, a insegurança em proteção e a angústia em paz.

Com Deméter entramos no campo da maternidade, como também da comunidade. Se Héstia reúne a família entorno de seu fogo sagrado, Deméter organiza e cuida da mesma. Seu campo de atuação é amplo, envolvendo todos, velhos e jovens. Tem predileção pelas crianças, as quais, todas indistintamente, recebem os cuidados da mulher em Deméter. Deméter representa o espírito da coletividade e da maternidade; é o cuidar, ninar, ajudar, acarinhar, incentivar, organizar a vida prática que somente pode realizar-se plenamente quando se estica para além do estrito núcleo familiar.

A antagonista por excelência de Deméter é Atena, bem representada por tantas mulheres de hoje. Atena é racional tanto quanto Deméter é sentimental. Entretanto, partilham o mesmo objetivo: o bem-estar da comunidade. Atena traz a visão mais ampla, as artes e o estudo, as ciências e o artesanato. Ela representa a industriosidade, o progresso humano baseado em educação, em responsabilidade social, boas políticas e diplomacia. Atena oferece o dom da objetividade, da firmeza e da competência.

Mas até a prodigiosa Atena uma hora dá de cara com eventos que nos tiram de nós mesmas, do caminho conhecido e mapeado e nos levam para a desordem das emoções, para o medo e as lágrimas. Eis que chega Perséfone, a rainha do além, das trevas, dos mistérios, do mundo invisível. Perséfone é a padroeira de toda psicoterapia que trabalha com inconsciente, sonhos e interioridade profunda. Familiarizar-se com ela é ganhar as chaves da intuição, da habilidade de distinguir fantasias irreais de pressentimentos reais, sensações superficiais de percepções significativas da realidade. Orientar-se no escuro por via de instintos, intuições e sensitividade: eis o dom de Perséfone. Se nos momentos sombrios de nossa vida, ao invés de fugir da dor e do desconforto psíquico, mergulharmos neles, confiantes de que uma deusa-guia irá nos levar até uma nova compreensão de nós mesmas e do que está à nossa volta, estaremos integrando Perséfone em nossa vida e ganhando as ferramentas para de verdade fazer nossos sonhos e desejos mais profundos desabrocharem.

É por este caminho que encontramos Ártemis, que é sempre jovem e faiscante. Ela se esconde no anseio profundo que clama para sermos nós mesmas, sempre, em qualquer circunstância. É aquela voz rebelde contra todos os estereótipos e preconceitos. É o pudor que considera obscenas as exibições eróticas e públicas do corpo feminino. É o grito de guerra contra toda dominação masculina, todo abuso de poder, todo desequilíbrio na natureza. O desconforto gerado pela cidade grande, as filas de carro, a poluição, as saias justas e os escritórios em andares próximos ao céu cinzento pertencem a Ártemis, que não consegue adaptar-se às longas horas imobilizada numa cadeira dentro de um escritório.

A partir da liberdade reconquistada em seu estado puro e selvagem é que podemos resgatar Hera da rua da amargura na qual geralmente se encontra. A rainha dos céus, esposa de Zeus, foi retratada como ciumenta, manipuladora e chata. Representa a mulher que cobra, reclama e perturba os planos do masculino, dos quais ela não é posta a par. Hera é a padroeira da sociedade, das etiquetas e da moral. Preside ao casamento que haveria de ser baseado em reciprocidade e parceria, de onde deriva seu sofrimento, pois não é esta a realidade na enorme maioria dos casos. Ela é aceita na medida de sua submissão às regras de um jogo que não foi ela quem criou, mas que acaba contribuindo para manter em vida.

Afrodite chega no final porque o amor e a graça, que ela representa, só são construtivos e felizes na vida das mulheres quando as outras deusas estiverem em união criativa. Afrodite nada tem a ver com os estereótipos de modelos e atrizes, que são seu subproduto artificial. Afrodite está na beleza que move o espírito, naquela briza leve que arrepia a superfície do mar. Afrodite é graça feita de cultura e espontaneidade. Ela está presente na mulher que vive a beleza como chamado divino e não tem medo dela.

*Adriana Tanese Nogueira é psicanalista e life coach www.ATNHumanize.com