Diário de Dilma

Por Gazeta News

Por Paulo Castelo Branco*

Na porta do avião que me levaria para a Suécia, um tucano, remanescente da gestão anterior a Lula, entregou-me um exemplar do diário do Fernando Henrique. Disse-me que ele havia pedido para que eu o lesse durante a viagem. Fiquei surpresa com a gentileza do ex-presidente, apesar de termos uma relação de respeito e admiração. Gosto dele, do seu jeito maneiro de lidar com os problemas que parecem insolúveis.

Após a decolagem, recebi telefonema de FHC. Avisava-me que, pela intensa participação de Lula na política, ele, como líder do PSDB, iria enfrentar o meu antecessor e rebater as suas aleivosias – foi esta palavra que ele usou e que achei muito moderada -, agradeci-lhe o livro e disse que esperava que preservasse a minha conduta pessoal. Ele não disse nada e despediu-se.

Devorei o texto e decidi, também, escrever um diário a partir da minha volta ao país. Farei uma introdução com as lembranças que guardo desde a primeira campanha presidencial e, depois, seguirei o dia a dia do meu governo. É claro que usarei  um gravador com tecnologia digital, para que não existam dúvidas sobre o que vivi e sofri nestes anos. 21.10.2015 – Depois da viagem à Suécia e Finlândia, onde vi o que são países desenvolvidos e civilizados, reuni ministros para que relatassem o que já sei. A crise é imensa. Lula telefonou para desabafar sobre os problemas que o afligem. Acho que está preocupado com as ações da Justiça. Pediu a demissão do Eduardo. Não respondi nada, mas não irei atendê-lo. O resto do dia foi só rame-rame. 22.10.2015 - Antes da 7 da manhã, Lula telefonou para desabafar sobre os problemas que o afligem. Acho que ele está preocupado com as ações da Justiça. Pediu a demissão do Eduardo. Não respondi nada; mas não irei atendê-lo. Os problemas continuam, e o presidente da Câmara insiste em conversar a sós comigo. Não aceito e determino ao Jacques que vá lá, pois ele, que foi ministro da Defesa, deve ter armas e argumentos para dissuadir o eficiente administrador de bens que, mesmo na lona, continua fustigando o meu governo. O resto do dia foi só rame-rame.

Não tive nada para anotar sobre o dia. Como sempre, jornalistas querem entrevistas, e políticos querem audiências para pedir alguma coisa. Como diz Fernando em seu diário, ser presidente é conviver com deus e o diabo. 23.10.2015 - Lula telefonou cedo pedindo a demissão do Levy e, para não esquecer, do Eduardo. Parecia amedrontado com alguma coisa. Hoje, um assessor insistiu que devo receber uma fila de embaixadores que devem entregar suas credenciais. Digo-lhe que acho este tipo de evento um troço muito chato e o encaminho ao Michel para que, quando da minha ausência, receba os embaixadores. Ufa! Acho que me livrarei deste encargo.

O Michel ligou para dizer que não pode substituir-me numa questão de tamanha relevância, que são as relações exteriores. Desligo. O resto do dia foi só rame-rame. 24.10.2015 - Lula telefonou antes do café da manhã. Eu ainda estava escovando os dentes, e ele já estava resmungando. Pediu a demissão do Eduardo, do Levy e, de quebra, do Tombini. Entrou por um ouvido saiu pelo outro. Não irei demitir ninguém. Ele que ganhe a próxima eleição, se não estiver com a ficha suja. No resto do dia, levei o barco como Dr. Ulysses: navegando. 25.10.2015 – O Eduardo ligou antes do Lula para pedir demissão. Eu não aceitei, e ele disse que o Lula mandou recado para que ele peça demissão. Nos jornais, as notícias são desalentadoras. Pergunto ao Eduardo se ele sabe de alguma coisa sobre ações da Polícia Federal. Ele, claro, diz que não. Logo em seguida,  Lula telefonou. Não pediu a demissão de ninguém. Estranhei , e perguntei o que ele queria; respondeu que estava muito animado com o desempenho do Corinthians. Fiquei desconfiada. Logo me liga o Jacques com recado do Lula,  pedindo a demissão do Eduardo e do Levy. O resto do dia foi o mesmo rame-rame. 26.10.2015 - Estou desanimada hoje. Não atendi o telefonema do Lula. Acho que vou renunciar e ir viver na Suécia ou na Finlândia. Vou para casa ler e ouvir música.

27.10.2015 - Hoje é aniversário do Lula. Liguei cedo, mas ele não atendeu. Chamei meu assessor de imprensa e gravei uma mensagem de parabéns,  puxando o saco do ex e mandei postar nas redes sociais. Ele nem se importou. Pedi ao Jacques que tente um contato, pois desejo ir a São Paulo para homenagear o meu mentor nos seus 70 anos de idade. Acho que ele nunca imaginou que chegaria tão longe. Quando cheguei,  o clima ficou como de velório. A família, sem os filhos que não compareceram sabe-se lá a razão, trataram-me com deselegância, e Lula sorriu para fotografias ao meu lado. Não comi nada, como faziam os imperadores romanos. 28.10.2015. Lula telefonou antes das 6 horas da manhã. Atendi imediatamente,  imaginando que ele, septuagenário, amansou a alma e iria agradecer a minha presença na festa. Qual nada, pediu-me a cabeça do Eduardo, do Levy, do Tombini, do Dunga, do Rollemberg, do Moro, do Fernando Henrique, do Teori, e de todos os membros do Ministério Público e da Polícia Federal; parecia um caçador do EI cortando cabeças. Eu, assustada, não disse nada, e ele, furioso, pediu a minha cabeça. Você perdeu a cabeça? Perguntei.


Paulo Castelo Branco é advogado e escreve para o blog www.blogpaulocastelobranco.com.br.