As diversas formas de se dizer ‘não’ do português brasileiro e o ensino da cultura

Por AOTP

Roberta Rodrigues da Silva*

Quantas vezes você foi convidado para um evento e disse:“Ah! Que pena! Ja? tenho um compromisso” ou ao perguntar se o preenchimento de um documento estava correto, o atendente disse: “So? falta assinar aqui embaixo”? Sem contar quando você ofereceu ajuda a um amigo e teve como resposta: “Obrigado, mas tenho dívidas e os meus negócios vão mal”.

Acredito que essas situações já tenham acontecido diversas vezes e você nunca percebeu que estava dizendo não sem utilizar o termo “não”. Isso mesmo, esse uso implícito do “não” estava e está presente em nosso cotidiano e faz parte do modo como interagimos socialmente.

Imagine agora o que acontece quando um estrangeiro que está aprendendo a língua portuguesa se depara com tais respostas. Certamente, ele fica confuso e não consegue entender o real significado do que foi dito, pois não sabe se a pessoa aceitou o convite, não tem certeza de que está tudo preenchido corretamente e, por último, não sabe se o colega aceitou sua ajuda. Somente após vários desentendimentos e situações embaraçosas, compreenderá que as respostas significam não.

Situações como essas podem fazer com que aprendizes deduzam que o brasileiros evitam responder “não”, o que não é verdade e, até mesmo, acreditem que a cordialidade está sempre presente na fala do brasileiro. O contrário também acontece, mas pode inferir que a comunicação entre os brasileiros é confusa e pouco assertiva.

É importante notar que essas suposições feitas pelos aprendizes serão baseadas em comparações com suas línguas maternas e os traços culturais que as envolvem. Seguramente, outros significados também podem ser deduzidos, o que acaba por deixar ao aluno a tarefa de compreender os aspectos culturais da língua por conta própria.

Deduções como essas indicam que esse aluno não reconhece os traços de recusa, que são trazidos pelos implícitos culturais da língua portuguesa falada no Brasil, e presentes nas diversas formas de negar uma pergunta ou fazer uma colocação numa conversa. Esse fato denota também que o conteúdo aprendido nas aulas de seu curso de língua portuguesa não abordou os aspectos culturais da língua, valorizando apenas o significado explícito dos termos aprendidos e que o aluno não foi conscientizado sobre a noção do implícito cultural. O implícito cultural é a relação entre o dito e o na?o dito, é o conhecimento da língua e da cultura que nos permite compreender aquilo que está subentendido nas palavras do outro. Como exemplo disso, temos as situações acima. Nesse caso, a inter-relação entre língua e cultura não foi devidamente explorada.

Devemos lembrar que a cultura é o conjunto de conhecimentos sociais transmitidos de geraça?o a geraça?o sobre o que e? vivido e representado como forma de conhecimento que são expressos por meio das expressões linguísticas. A cultura diferencia os povos e suas maneira de ser, fazer, ler e representar o mundo a sua volta e, portanto, a sua inserção nos cursos de língua estrangeira é essencial para dar ao aprendiz dicas sobre como entender o modo pelo qual as pessoas se comunicam na língua alvo.

Acredito que aprender uma li?ngua estrangeira e? buscar acesso a? outra cultura, pois o processo de ensino/aprendizagem de uma li?ngua e? necessariamente intercultural, já que aponta as formas de pensamento e conduta de outra cultura. Desse modo, é essencial que os aprendizes de língua portuguesa sejam conscientizados sobre as diversas nuances de sentido que nós, falantes do português brasileiro, utilizamos ao interagirmos no nosso cotidiano para que possam partilhar nossa li?ngua e cultura de modo consciente e real.

Literatura é, sim, possível de ser trabalhada com alunos estrangeiros. Basta organizar atividades contextualizadas, que possam envolver o estudante no processo de aprendizagem.

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*Roberta Rodrigues da Silva é mestre em Linguística Aplicada pela PUC de São Paulo e especialista em Língua Portuguesa pela PUC de São Paulo. Atualmente, reside em Adelaide, no Sul da Austrália, onde leciona Português como língua estrangeira. Contato:serenaroberta@hotmail.com