Dona Júlia, a mulher que há 37 anos ajuda brasileiros recém-chegados à Flórida

Por Arlaine Castro

dona julia 2
[caption id="attachment_139016" align="alignleft" width="272"] Dona Júlia, ao centro, foi o suporte para muitos brasileiros na América. Foto: Arquivo pessoal.[/caption]

A chegada para uma nova vida em outro país nem sempre teve as facilidades que o mundo atual oferece. Hoje, com a internet é possível já conhecer pessoas que lhe ajudarão antes mesmo de você embarcar. As portas se abrem com mais facilidade. Para se conseguir, por exemplo, o primeiro trabalho no exterior, há grupos de Whatsapp e Facebook que “pipocam” de ofertas e oportunidades. Mas, nem sempre foi assim. Uma brasileira que fez e ainda faz história por ajudar tanta gente nos conta como era a chegada de imigrantes em um outro país na década de 80, quando a única chance era a batida na porta e o contato face a face.

Maria Júlia Dann, nordestina de São Luís do Maranhão, 83 anos, mora em Plantation (FL) há 37 anos e se considera uma mulher realizada e feliz. Júlia também é imigrante nata. Já morou em cinco continentes. Conhece muita gente mundo afora. Aos 18 anos, saiu do Brasil e hoje acumula “filhos” espalhados pelo mundo inteiro, entre os “de sangue” (três filhos, nove netos e dois bisnetos) e os que “adotou” ao longo da vida. Tamanha generosidade deu a ela uma vida repleta de desconhecidos que hoje são considerados da família.

Desde que chegou aos Estados Unidos, na década de 80, Dona Júlia acolheu inúmeros brasileiros recém-chegados em sua residência. Tanto homens quanto mulheres, a casa dela foi por muitos anos (e ainda é) o ponto de encontro de vários imigrantes brasileiros e hispânicos. Como não havia internet, a comunicação acontecia face a face, e assim os brasileiros se interagiam e se ajudavam.

“Naquela época era na base da confiança. E só. Muitos vinham do aeroporto direto para minha porta. Você sabe, há 30 anos tudo era mais difícil. Eu não conhecia, não sabia a procedência nem nada sobre a família, mas acolhia porque sei como é difícil chegar a um lugar estranho, onde se fala outra língua e não ter um abrigo. Acho que é feeling de mulher mesmo, aquela intuição feminina que nos faz querer ajudar”.

Trabalhando no mesmo lugar por 33 anos, Júlia é costureira e tem uma loja de roupas sob medida perto de casa - a All Season. Ela conta que atende hoje as filhas e netas das suas “filhas”, que acolheu quando chegaram aos Estados Unidos e se tornaram suas amigas e clientes. Através da loja, ela conta que ajudou pelo menos 15 pessoas a obterem o green card.

“Todas as brasileiras que chegavam aqui naquela época eram estudadas, tinham uma formação no Brasil, mas vinham sem saber nada de inglês e sem um trabalho arrumado. Não tinham praticamente nada. O que eu fazia era abrir o mercado para elas e conseguir com que elas trabalhassem para se estabelecer e desenvolver.”

Mas, o diferencial de uma mulher que acolheu inúmeras outras mulheres nesses mais de 30 anos é o prazer em ajudar e, como ela mesma diz, ter um orgulho em vê-las bem e realizadas na vida.

“Como elas não tinham driver’s license, muitas vezes eu as levava ao trabalho. Elas também precisavam aprender inglês, então, toda noite eu as levava para aulas. Elas precisavam sobressair, não podiam ficar sempre na mesma vida de quando chegavam”, declara com orgulho.

Além de mulheres brasileiras, Júlia ajudou também muitas hispânicas que pela sua casa passaram. Algumas inclusive trabalharam com ela em sua loja e aprenderam a costurar. Muitas tiveram filhos que cresceram dentro da loja e hoje se consideram seus netos.

“Sinto-me realizada como mulher, principalmente, por ter ajudado outras mulheres a terem sucesso na vida. Todas começavam como ‘cleaner’, que a gente sabe que é o trabalho comum no início, e hoje elas não precisam trabalhar com isso mais”.

O orgulho dessa mulher está em perceber que ajudou a transformar a vida de outras mulheres para melhor. “Todas cresceram como pessoas, aprenderam inglês, se legalizaram, têm casa própria, emprego, muitas se casaram, construíram suas famílias aqui. Aprenderam como funciona a cultura americana e são pessoas bem-sucedidas na vida”.

Quando, por algum motivo, ela não podia ajudar alguém, contava com o apoio de uma amiga americana que também “adotava” as recém-chegadas. “É uma corrente. E assim pudemos fazer com que outras mulheres também se ajudassem”.

Para a maranhense, a lei do retorno funciona. “A vida te dá em dobro. Eu me sinto orgulhosa por ver que hoje tenho pessoas queridas e bem na vida. Posso dizer que somos uma grande família espalhada pelo mundo. Algumas se mudaram daqui, foram até para outros países, mas não perdemos o vínculo. Sempre me chamam para os aniversários, batizados e casamentos. Sou muito feliz por isso”, conta. “Todos têm os mesmos direitos, mas é preciso abrir a porta. Estamos aqui para ajudar e dividir. E temos que ter orgulho em ser mulher. É um dom divino”, completa.