Duas tragédias: João e Anna Nicole

Por Gazeta Admininstrator

A semana passada trouxe muitas notícias ruins. Até aí nada de anormal, não é mesmo?
A velocidade da informação nos nossos tempos é fenomenal. Se por um lado isso traz algumas notícias boas, rapidamente, faz com que as notícias péssimas (sempre em maior quantidade, infelizmente) também circulem com igual ligeireza.
Assim é que, na manhã de sexta-feira, quando inicio meu “processo mental” em relação ao editorial do Gazeta, me deparei com dois choques.

1 – A trágica morte do garoto carioca envolvido num assalto e roubo e acabou preso ao carro roubado pelo cinto de segurança, sendo arrastado durante a fuga desesperada dos assaltantes.
2 – A morte da “Playboy Girl” Anna Nicole Smith, no Hard Rock Casino, em Holywood (Flórida), bem aqui em nosso tão brasileiro Sul da Flórida.

Confesso que por muito tempo fiquei confuso e dividido entre as duas histórias.

Por que Anna Nicole?
Por se tratar de uma personalidade altamente controversa, que mesmo os brasileiros menos interessados nas celebridades de tablóide, pelo menos já tinham visto ou ouvido falar. E muitos, mas muitos mesmo, sabem bastante da estranhíssima vida da “coelhinha” que se tornou milionária e famosa após casar com um texano 50 anos mais velho que ela. A vida e morte de Anna Nicole refletem de forma clara um dos aspectos mais brutais dos tempos em que vivemos: a fama e a riqueza a qualquer preço. A cada vez mais freqüente e perigosa mistura entre ignorância e ambição, amoralidade e poder.

Por que o menino carioca vítima da barbárie?
Por razões óbvias. Quando se pensa que no Brasil, o estado de tensão gerado pela violência urbana já teria atingido um de seus níveis mais aterradores, uma tragédia como a do pequeno João Hélio Fernandes, de apenas 6 anos, é um sôco no estômago de quem ainda tenta “tapar o sol com a peneira”.
O que mais me transtornou nesse horrendo episódio que comoveu a todos que tomaram conhecimento do crime em plena luz do dia na segunda maior metrópole do país, foi a lembrança de declarações recentes das autoridades policiais cariocas e do próprio Secretário de Segurança Pública, minimizando o estado caótico da segurança pública e, com a cara mais “lavada” do mundo, dizendo que “violência ocorre em qualquer grande cidade do mundo”.

E o que têm a ver a morte de Anna Nicole com a do pequeno João?
Nada e tudo.
Nada por se tratarem de episódios distintos, em hemisférios distintos, em realidades sócio-econômicas e até morais, bem distintas.
Tudo por se tratarem de poderosos reflexos de um estado de bestialidade que domina de forma crescente e imparável, todo o comportamento humano, todo o planeta.
A violência se manifesta das mais diversas formas. Na vida alucinada e inconseqüente, no frenesí pela fama e pela notoriedade, na desobediência civil, na guerrilha das drogas,
no abuso doméstico e na barbárie urbana. Agressão, frustração, caos.

Anna Nicole queria seu lugar no futuro. Saiu do anonimato absoluto de uma cidade do interior do Texas. Belo corpo, lindo rosto e nenhuma educação: o caminho mais rápido para fama e dinheiro? As páginas das revistas masculinas. As mesmas revistas masculinas que hoje em dia, no Brasil, são até motivo de “orgulho” a quem “consegue” polpudos contratos para aparecer em ensaios eróticos.

João tinha tão pouca idade e total inocência. Certamente ainda não tinha a menor idéia do que é “futuro’. Cruelmente essa possibilidade lhe foi arrancada não pelas mãos de três adolescentes marginais. Mas sim pela brutal violência urbana conseqüência do caos social e econômica de uma sociedade altamente injusta.

Anna Nicole brigou muito. Nas cortes contra quem quis tirar sua milionária herança.
Na mídia, onde conseguiu apenas ser “estrela bizarra” no atual “circo dos horrores” em que se transformou a televisão.
Na vida pessoal onde nunca encontrou equilíbrio afetivo, nunca teve nenhum momento em que se sentiu realmente querida e necessária. Apenas usou e foi usada.

João não brigou nada. Não teve a chance. Foi um mártir inocente de um guerra ainda não “oficialmente” reconhecida, mas que já se trava há décadas nas ruas das nossas megalópoles.

Não há tragédia maior do que a outra.
Uma nos leva à consternação pela vida jogada fora num mar de ilusões, fantasias e excessos dos Estados Unidos.
A outra nos leva à perplexidade e revolta, por uma vida jogada fora como conseqüência da perda total do valor da vida humana no Brasil.