O que é pensar - Viver Bem

Por Adriana Tanese Nogueira

SOUMAYA3

Vivemos na triste realidade onde há pessoas demais que desconhecem o que significa pensar. Quando “pensam”, não percebem que estão mais uma vez jogando dominó, rearranjando as peças de forma diferente, segundo novas combinações, sem ver que são sempre as mesmas. Daí aquela sensação de jaula, de não sair da própria cabeça e de que quando se pensa não se chega a lugar nenhum. Elas não estão realmente pensando, elas estão na verdade repetindo, ruminando pensamentos prontos que não trazem informação nova alguma e, portanto, são inúteis, aliás, geralmente são prejudiciais.

Esses pensamentos prontos são o que a psicanalista italiana fundadora da corrente pós-junguiana na Itália chama de “pensados”. Os pensados são os produtos do pensamento adquirido via família, cultura, sociedade, TV, livros, revistas, etc. Dependendo de quanto mais a pessoa estudou e leu, maior o número de pensados e de recursos, mas se não conhecer a atividade do pensamento, será obrigada a repetir os pensados absorvidos.

Os pensados são as tais peças do dominó e uma pessoa acha que “pensa” quando reajusta as peças, aqui e acolá, tentando encontrar a configuração que explicaria determinado fenômeno. Não percebe ela que, sem exercitar o pensamento enquanto atividade livre e ativa, ela estará num labirinto mental onde nada de novo entra. Talvez um dia, esses pensados representaram aspectos da realidade, eram, como se diz, “verdadeiros”. Mas hoje, muito tempo depois (ou um dia depois) precisam ser revisados, checados, confrontados com o real. Entretanto, se a capacidade de pensar, o confronto se faz impossível e a pessoa geralmente prefere ficar com seus pensados e fechar os olhos diante da realidade. Os pensados então se tornam “entidades”, “verdades” aprisionadoras que bloqueiam o acesso ao que está fora deles.

Nunca, nesse processo estéril, há um contato real com a realidade. Por real entendo a experiência intelectual e/ou afetiva de sair do jogo mental e contactar algo que não está pré-figurado no que já se sabe. Se não se fizer isso não existe conhecimento novo. Mesmo um sorvete pode ser tomado sem ter acesso de verdade a ele e ser interpretado da mesma forma do sorvete que se tomou o mês passado. É preciso abertura mental e afetiva, a capacidade de enxergar com a mente e com o coração para além do que já se sabe e se experimentou para fazer com que a realidade penetre em nossa consciência. Esse tipo de mastigação de pensados já dados e de sabor ranço é o que mata a verdadeira atividade do pensamento.

Pensar é um movimento dinâmico, infinito e livre. No pensar temos algumas referências, normas, valores, verdades adquiridas no passados, mas estes nunca podem limitar o pensamento, se não o negam. É como correr tendo um elástico amarrado no tornozelo. O verdadeiro pensar está em relação com a realidade, seja ela o mundo externo da experiência, seja aquele interior. Ele traz conhecimento novo porque se faz reflexão. Na reflexão, a pessoa faz um movimento introspectivo, como um olho que se volta para si mesmo e reflete sobre o que captou do real.

O mundo de fora penetra em nós pelos nossos sentidos, afetos e emoções. A função do pensamento é a de elaborar as experiências obtidas e de relacioná-las com os conhecimentos já dados, mas sem reconduzi-los todos ao que já se sabia. Desta forma, os pensados se aprimoram, se transformam, podem ser jogados fora ou se tornarem mais claros, amplos e focados. O conhecimento assim pode evoluir e o pensar sai do solipsismo ao qual, caso contrário, ele estaria condenado. Solipsismo é aquela conversa solitária que não conhece o diálogo.

O pensar não criativo, o pensar que é uma manipulação de pensados, se reduz a uma mera masturbação mental. Obtém-se o prazer (de pensar), a descarga mental de ter vomitado ou perambulado em meio à floresta de pensados, mas não se produz nada de novo. Enquanto que o verdadeiro pensar sempre acende uma chama, ilumina a realidade com nova luz, abrindo caminhos para a ação. O verdadeiro pensar promove a consciência e esta permite enxergar mais e melhor o que nos está acontecendo e, portanto, nos dá recursos para agir.

Pensar é um ato de pessoas livres. Livres da repetição de saberes importados de fora e pessoas livres da angústia de ter que “saber tudo”. Liberta também do medo de não saber e do pânico do vazio, porque é necessário “ter espaço mental” para que novos conteúdos entrem. Pensar é para quem não tem compromissos com dogmas e não teme ser diferente. Pelo jeito, pensar é para eleitos.