Editorial: A surpreendente e (amedrontada) vitória de Trump

Por Arlaine Castro

A vitória de Trump agora repercute pelo mundo. Escritores e pensadores políticos analisam o impacto global do bilionário republicano na Casa Branca. Paul Krugman, prêmio nobel de Economia, apontou, em seu artigo no New York Times, para um provável aumento das barreiras comerciais e das políticas econômicas unilaterais.

“(...) Vivemos em um mundo de cadeias de suprimentos onde a imposição de tarifas sobre as importações mexicanas ou chinesas aumentará os custos dos negócios dos EUA e tornará difícil para eles competir. Trump é um homem de negócios, e logo compreenderá, se não o fizer agora, a insensatez do protecionismo geral.”

Para Krugman, no campo político, Trump pode enfraquecer as normas que sustentam as democracias liberais. Sua campanha foi baseada em uma política divisiva de identidade. Ideais de igualdade, igualdade de direitos, diversidade e inclusão foram submersos sob o peso de uma retórica que elevou as tensões raciais e étnicas e inflamou paixões contra inimigos imaginados - imigrantes mexicanos, exportadores chineses, refugiados muçulmanos. A democracia iliberal tem sido a praga de várias nações ao redor do mundo. Sob o Sr. Trump, as tradições nos Estados Unidos de controles e equilíbrios e do estado de direito serão testados seriamente.

A oposição ao Obamacare renovaria e intensificaria a insegurança financeira das famílias. Seus cortes de impostos propostos para os ricos exacerbariam a desigualdade de renda, enquanto aumentaria o buraco no déficit ou exigindo cortes orçamentários profundos. Sua postura sobre comércio prejudicaria o comércio e a cooperação internacionais. Sua proposta de deportação de imigrantes desencadearia uma crise legal e humanitária.

Com o resultado um pouco surpreendente, (após pesquisas indicarem empate ou preferência por Hillary), esta eleição indica que o povo americano, tal como o brasileiro, também anseia por mudança.

A vitória de Trump expressa uma insatisfação profunda da população com o que há de mais óbvio: o status quo da nação globalizada mais potente do mundo mas que vive uma crise no sistema político e econômico.

Em pesquisas de opinião, muitos americanos afirmaram repetidamente que seu padrão de vida e sua perspectiva de futuro eram piores do que as da geração de seus pais.

Na avaliação do cientista político Sérgio Abranches, a vitória de Trump decorreu de um “brutal realinhamento” do eleitorado norte-americano. E uma das razões para essa mudança — áreas que eram tradicionalmente democratas votaram no candidato republicano — é que “o eleitor que virou a favor de Trump é o eleitor que está frustrado, machucado, ressentido com a crise que vem desde 2008”.

Conforme Abranches, a economia dos EUA está se recuperando, mas com mudanças que produziram um cinturão de desempregados, de indústrias quebradas e de cidades em decadência em regiões que eram predominantemente democratas. Trump conseguiu captar e traduzir esse ressentimento, a começar pelo slogan: “Lets make America Great again”.

A pergunta que todos fazem no momento é: como Trump será quando assumir a presidência? Vai mesmo colocar em prática o que disse em campanha?

Como indaga o jornalista Michael Knigge, Trump vai de fato tentar implementar propostas isolacionistas e protecionistas que prometeu? Qual a posição real dele em relação ao papel de liderança dos EUA na Otan, definido por ele como obsoleto durante a campanha eleitoral? E os acordos comerciais que os EUA fecharam com uma série de países e os quais ele disse querer renegociar?

Trump triunfou de uma forma inesperada e mexeu com a estrutura do mundo inteiro. Em seu discurso da vitória logo após o resultado das urnas, na quarta, 9, ele falou em união de todos. O desafio de Trump será realmente esse: comandar a união de um povo multiculturalmente dividido.