Educação em terra estrangeira: conflito ou privilégio?

Por Gazeta Admininstrator

A experiência de viver em terra estrangeira envolve uma série de aspectos que requerem de cada um de nós, em maior ou menor medida, a capacidade de adaptação ao novo, a compreensão e valorização das diferenças, além de sobriedade para discernir o que deve ser preservado de nossa cultura original, e o que pode ser adaptado à nova realidade.

Essa experiência, pode algumas vezes ser traumática e dolorosa.

Abrir mão daquilo que consideramos como verdade e começar a aprender “novas verdades” é um processo longo, que não acontece do dia para a noite, especialmente para crianças e adolescentes que vivem a fase de formação da personalidade. Por esse motivo, a escola assume um papel fundamental.

E a escola tem papel fundamental não apenas na vida do estudante, seja ele estrangeiro ou norte-americano, mas no futuro do próprio país. No livro Beyond “Bilingual” Education (Além da educação “bilíngüe”), dos norte-americanos Alec Ian Gershberg, Anne Danenberg, e Patricia Sánchez, os autores observam que em estados com elevados índices de imigração, como a Califórnia, existe uma verdadeira “batalha entre educação bilíngüe e programas de imersão em inglês”. O livro ressalta que “a forma com que as escolas recebem, tratam e educam esses futuros trabalhadores, irá afetar diretamente a economia, saúde social e progresso do país”.

Hoje com 17 anos, a jovem brasileira Irkisis Sampaio mudou para os Estados Unidos com a mãe há quase três anos, e não se adaptou à escola. Moradora da Flórida Kiki, como prefere ser chamada, cursa a 10ª série. Embora afirme gostar de morar no País ela diz não ter interesse pela escola. “Eu gosto de morar aqui, mas no Brasil acordava empolgada para ir para a escola. Aqui é tudo muito fácil, não me desafia. O conteúdo escolar é muito fraco. Isso foi o que mais me chocou mesmo, e até hoje não me acostumei”, lamenta Kiki.

Ela também sente-se incomodada com a disciplina adotada na escola que freqüenta. “Aqui se faz o que quiser na sala de aula. O aluno atende ao telefone na sala de aula, bota o pé em cima da mesa, e o professor não fala nada. É ridículo. A maioria é assim. Tem alguns professores que são rígidos, mas aí são em excesso, e se o aluno olha para o lado ele chama atenção. Acho que os professores poderiam melhorar isso de alguma maneira”, sugere Kiki.

Nuncia François-Lowery, gerente do Departamento de Educação Multicultural do Distrito Escolar do Condado de Palm Beach entende que o impacto, do ponto de vista pedagógico, da imigração sobre uma criança ou jovem em fase escolar é um processo muito individual. Ela diz que, na maioria das vezes, os alunos estrangeiros passam por um processo que vai da “lua-de-mel” com a nova vida, à saudade das coisas de seu país. “São sentimentos de “eu não quero estar aqui”, “eu não tenho que estar aqui”, “eu não conheço essas pessoas”, que têm que ser acompanhados e receber todo o suporte para que sejam superados. Muitos alunos não querem vir à escola porque sentem-se tristes”, ilustra a educadora norte-americana.

Ela orienta que a postura dos pais deve ser de compreensão. “Como mãe eu tentaria entender o que há de errado. Ouvir mais e depois falar. Se você pergunta, supõe-se que quer ouvir, e também tentar entender. Motivos que podem parecer ridículos para os pais, para os filhos podem ser muito importantes, e as crianças devem saber que podem contar com os pais”, analisa François-Lowery.

A cabelereira Marília Cunha é mãe de dois adolescentes: Débora, de 13 anos e Pedro Henrique, de 16. Os dois estiveram na Flórida vivendo com a mãe durante dois anos, e também não se adaptaram ao sistema de ensino, o que fez com que a família voltasse a se separar. “Para começar, o meu filho falou: - Mãe, como é que um professor de geografia não sabe que no Brasil se fala português? Nas aulas de geografia que tive no Brasil ensinavam pra nós tudo o que acontece no mundo”, conta a brasileira lembrando que quando retornaram ao Brasil os filhos tiveram que ter aulas de reforço de matemática.

Débora, de 13 anos, a filha mais nova de Marília também não se adaptou, mas por motivos diferentes. “Ela reclamava que as amizades que tem na escola não são como as que tinha no Brasil, que lá as amizades eram mais verdadeiras. No Brasil ela tem muitas primas, e aqui ficou depressiva. Ela só veio para ficar comigo, mas não gostou, e achei injusto deixá-la aqui sem estar feliz”, explica Marília lembrando que o filho, “por ser mais velho, teve facilidade para aprender outras línguas, mas Débora não falava nem inglês na nossa frente, mas com as amigas falava”.

Ph.D. em Português e Estudos Brasileiros pela Brown University, em Rhode Island, a Doutora brasileira Kátia Santos Mota afirma que “o sucesso escolar depende das duas partes: da família e da escola, independentemente da fase de escolaridade da criança”. Ela é autora de diversos trabalhos enfocando o papel da língua materna em famílias brasileiras imigrantes, e as políticas de educação bilíngüe na escola e na família.

A especialista entende que o papel da escola é o de acolher a diversidade, estimular o background cultural das crianças como um patrimônio a ser preservado e, ao mesmo tempo, o de facilitar a inclusão da criança na sociedade norte-americana.

François-Lowery, do Distrito Escolar de Palm Beach observa que “é muito difícil para uma criança ter sucesso acadêmico sem o apoio dos pais. Os pais precisam envolver-se na escola, participar das reuniões de pais, mesmo que não falem inglês. Em muitas unidades do nosso distrito há tradutores. Os professores querem a colaboração dos pais”, afirma a educadora.

Com 25 anos de experiência em psicopedagogia, a brasileira Carmen Cepinho, que hoje vive na Flórida, afirma que “se existe um conjunto harmonioso a adaptação da criança será saudável. Se há qualquer aresta e a criança ou jovem sentem que não estão sendo bem vindos, isso prejudica o desenvolvimento pleno, e tem que ser observado pelos pais e educadores. Recomendo muita atenção nos seis primeiros meses de permanência na nova cultura”, observa Cepinho.

Para ela, a fase mais difícil para adaptação à uma nova cultura é a partir dos 10 anos. “Nessa fase as lembranças das experiências e laços anteriores são mais fortes, assim como a consciência de como a vida era antes. Além disso, a opinião dos amigos é muito importante nesse período de vida, e as críticas têm um reflexo muito forte”, explica, lembrando que é a base familiar que vai ajudar na escolha da identidade do jovem. “Em casa, o orgulho de ser brasileiro, de ser bilingüe são fundamentais para formar uma criança ou um jovem não apenas bilingüe, mas multicultural”, conclui Cepinho, que foi responsável pela implantação na Flórida de uma clínica móvel voltada para o atendimento de crianças brasileiras com dificuldades de aprendizado.

Hoje com oito anos, Gabriela cursa a 3ª série. Ela é filha da jornalista brasileira Cleida Cruz, que atua como corretora de imóveis na Flórida. Aos dois anos e meio Gabriela foi para uma creche, onde só se falava inglês. “Minha filha não se comunicava em inglês e fazia mímica quando queria comer ou beber. Eu chorava quase todos os dias”, lembra Cleida.

Hoje, Gabriela comunica-se melhor em inglês do que em português, e Cleida está satisfeita com a educação recebida pela filha. “Ao contrário do middle school, aqui o elementary é mais puxado do que no Brasil. Todos os dias têm que ler um livro durante pelo menos 20 minutos, e sabemos que isso não existe no Brasil”, diz Cleida que afirma “fazer tudo para ela se interessar pelas coisas do Brasil”. “As amiguinhas dela que vêm aqui em casa são todas americaninhas, e entre elas não falam português, mas eu procuro envolvê-la com brasileiros. Estamos pensando em colocá-la na escolinha de português”, diz Cleida.

A Doutora Kátia Mota explica que no caso da imigração para um país estrangeiro, existem dois processos de aprendizado do novo idioma. A primeira, “quando a criança ao aprender, por exemplo o inglês, vai desvalorizando e perdendo o uso do português”. Neste caso, explica ela, ao invés de se tornar bilíngüe, a pessoa vai se tornando monolíngue na segunda língua (neste caso o inglês). A isso, chama-se “bilinguismo subtrativo”.

Mota observa que esse processo muitas vezes ocorre quando os pais expressam, direta ou indiretamente, o desejo de promover a “americanização” dos filhos, ou quando rejeitam sua origem, ou desprezam a tradição cultural brasileira. Segundo ela, “o excesso de correção do português, por exemplo, provoca ansiedade e insegurança que levam à recusa de manter a língua materna”.

Um processo contrário, explica Mota, é o “bilinguismo aditivo”, quando a aquisição da segunda língua não significa desvalorização da língua materna. “As crianças podem perfeitamente conviver com duas tradições culturais... É preciso que a família valorize as duas culturas, reconhecendo os aspectos positivos e negativos de cada uma. Não existem culturas superiores ou inferiores, mas sim culturas diferentes”, analisa.

Um boa forma de criar uma atmosfera confortável para a criança ou jovem ao aprendizado dos dois idiomas é delimitar espaços nos quais cada idioma prevalece. “Se as crianças percebem as fronteiras bem delimitadas – a casa, sendo um espaço de cultura brasileira e o português, a língua da família, enquanto que o mundo lá fora predomina a vida norte-americana e o inglês é a língua de comunicação – o bilingüismo vai acontecer naturalmente”, afirma Mota.

No livro “Affirming diversity”, ressalta Mota, a educadora Sonia Nieto mostra que os filhos de imigrantes que são bem sucedidos na escola são aqueles que preservam as tradições familiares, que valorizam a língua materna e que, harmonicamente, convivem com as duas línguas e culturas.

Adriane Daher, professora da escola Ada Merrit, que disponibiliza aulas em inglês e português até a 5ª série, para alunos de diversas partes dos condados de Broward e Miami-Dade, afirma que muitos pais têm temor que as crianças fiquem confusas com o aprendizado de dois idiomas ao mesmo tempo. “Dizemos que o melhor é manter a língua materna e deixar que o inglês elas aprenderão de qualquer forma, porque vão estar expostas ao inglês todo o tempo”, explica.

Ela entende que “quando se tem uma base forte na primeira língua, é mais fácil aprender uma segunda lílngua”. “Se a criança bem do Brasil já alfabetizada, é melhor continuar sendo alfabetizada na língua materna e, paralelamente, aprender o inglês”. Ela observa ainda que pesquisas indicam que crianças de até 12 anos, têm mais facilidade de aprender um novo idioma do que um adulto. “Explico aos pais que uma criança pode aprender duas, três, quatro línguas ao mesmo tempo, sem problema nenhum”, ilustra.

No entanto, quando o domínio do segundo idioma ainda não ocorreu, as dificuldades de aprendizado podem ser traumáticas. Daher narra o relato ouvido de uma estudante hispânica de 8 anos, que morava nos EUA há mais de um ano. “Quando fico na sala de espanhol me sinto bem, porque o professor fala espanhol. Quando ele pergunta levanto a mão rápido e quero responder. Na sala de inglês quando me perguntam fico gelada, e tenho vergonha, tenho medo de falar errado”, disse a menina a Daher durante entrevista para uma pesquisa educacional.

O programa de português oferecido pela Ada Merrit existe desde 2003, quando foi fundada a escola. Este semestre começa a primeira turma de 5ª série.

A escola, que conta com seis profissionais brasileiros, já foi aprovada para oferecer aulas até a 8ª série. “Começamos com duas classes, no ano seguinte dobramos, e hoje temos duas classes de cada nível”, orgulha-se Daher.

ILEGALIDADE

Para François-Lowery não existe uma idade ideal para que crianças indocumentadas sejam informadas sobre seu status legal no país. Ela reconhece que esta é uma situação delicada, e assegura que em hipótese nenhuma o Distrito Escolar toca no tema com as crianças, o que segundo ela seria passível de punição, nem solicita aos pais qualquer documentação neste sentido. “Se como mãe eu estivesse em uma situação dessas, acho que diria ao meu filho ou filha em que situação vim para o país. Você sabe por que? Recentemente tivemos um aluno, que acabou de se graduar, e só então descobriu seu status legal. Hoje em dia ele é um jovem revoltado, e cortou relações com os pais. Mas tenho certeza de que os pais tiveram muito boas razões para não contar a ele”, avalia