Enquanto a isenção de visto não vira realidade, brasileiros enfrentam burocracia

Por Simone Raguzo

Lucy e Luiz com a filha Joyce, que vive nos Estados Unidos desde 2009.

Mais uma vez, uma possível isenção de vistos para os brasileiros entrarem nos Estados Unidos voltou à pauta. Diplomatas dos dois países reiniciaram, no último dia 22 de outubro, na capital americana, Washington, as discussões para que o Brasil seja incluído no programa Visa Waiver. Apesar do interesse ser mútuo, a meta ainda parece estar longe de ser alcançada.

De um lado, os brasileiros querem vencer a burocracia que envolve conseguir um visto: preencher formulários (em inglês) no site do consulado americano, pagar taxa para agendar entrevista, se deslocar aos centros de atendimentos – que foram criados para dar mais agilidade ao procedimento, mas acaba forçando as pessoas que não residem em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belo Horizonte ou Recife a permanecerem pelo menos dois dias em uma dessas cidades, já que a coleta dos dados biométricos de solicitantes feitas nesses centros não pode ser agendada para o mesmo dia de entrevista no consulado ou embaixada. Isso, sem contar a apresentação de documentos que comprovem que o brasileiro tem vínculos com o seu país e manifesta o desejo o retornar.

Do outro lado está os Estados Unidos, que querem ver sua economia cada vez mais movimentada com a presença crescente dos turistas brasileiros. Segundo o consulado americano, desconsiderando-se países com os quais os EUA têm fronteira, o Brasil foi o quarto país que mais enviou turistas para os EUA no ano passado, atrás somente de Reino Unido, Japão e Alemanha. Somente em 2012, a expectativa é de que o número de turistas brasileiros nos EUA chegue a 1,8 milhão, 18% a mais em relação a 2011, segundo o Departamento de Comércio dos Estados Unidos.

Cada um desses brasileiros gasta, em média, aproximadamente $5 mil de dólares em cada uma dessas viagens. De janeiro a setembro, foram emitidos 801.273 vistos. Se forem considerados os registros de outubro de 2011 a outubro de 2012, a contagem atingiu a marca de um milhão de vistos emitidos. A embaixada americana no Brasil estima que se chegue a um número recorde até o final deste ano.

De acordo com a US Travel Association, entidade que representa empresas de turismo norte-americanas e faz lobby pela dispensa do visto para os brasileiros, caso haja a extinção do visto obrigatório, os Estados Unidos passariam a receber 316 mil turistas brasileiros a mais todos os anos. A estimativa é baseada no aumento no fluxo de turistas de outros países que já foram incluídos no programa de dispensa de visto para entrar no país. Atualmente, 37 países fazem parte do Visa Waiver. Caso a medida seja aprovada, o Brasil também poderá deixar de exigir o visto para a entrada de americanos.

Legislação Entretanto, o que está em jogo nessas discussões para o fim da obrigatoriedade de vistos para os brasileiros não é apenas a questão econônica, mas também política, o que não depende somente de uma decisão da Casa Branca.

Segundo Mark Frey, diretor da companhia de advogados Steptoe and Johnson, que tem a US Travel Association como um de seus maiores clientes, tem se apostado em uma proposta de lei que tramita no Senado americano. Hoje, os países precisam reduzir o percentual de candidatos a visto rejeitados para abaixo de 3% para conseguirem ser incluídos nos programas de dispensa de visto. O Brasil tem taxa de rejeição de cerca de 3,8% - número esse que será atualizado pelo governo americano nos próximos dias. O projeto de lei Jolt Act aumentaria esse índice para 10%. A proposta é incluir países como Brasil, Chile, Polônia, Israel e Croácia no programa.

“Enquanto isso, o Brasil deve fazer a lição de casa, ou seja, se enquadrar nas exigências de segurança”, destaca Frey.

O drama de quem tem o visto negado

Dois momentos importantes na vida de uma mãe: o casamento de uma filha e o nascimento de um neto. A confeiteira autônoma, Lucy Helena Almeida, de São José dos Campos (SP), é uma das brasileiras que foram privadas de acompanhar isso de perto.

Uma de suas duas filhas, Joyce, vive em Seattle, Washington, desde 2009. Em 2011, ela casou-se com o americano Joseph, e esperava que a família estivesse presente na cerimônia.

“Eu, minha filha Renata e meu genro Rogério fomos tentar o visto para ir ao casamento dela (Joyce), mas fomos orientados pela agente de viagem a não dizer que a Joyce estava lá, pois neste período ela estava dando entrada na sua documentação e ficamos com medo de prejudicá-la. Mesmo assim, nosso visto foi negado e não pude participar do casamento da minha filha, o que me deixou muito triste”, conta Lucy.

Mas ela não desistiu. Com a gravidez da filha, Lucy não pensou duas vezes e tentou mais uma vez o visto para ir até Seattle e acompanhar o nascimento da neta.

“Em junho, Joyce nos visitou e deixou cópia do seu green card, certidão de casamento e uma carta da médica que estava acompanhando seu pré-natal. Em agosto de 2012, novamente fui ao consulado em São Paulo, desta vez sozinha. Informei ao cônsul que me entrevistou o motivo da minha viagem, mas novamente meu visto foi negado”, lembra.

E não foi só a decepção que tomou conta de Lucy, mas também preocupação.

“A gravidez da Joyce foi boa até a 35ª semana, mas a partir daí ela começou a ter picos de pressão alta. Alguns dias antes da data estabelecida para o parto, ela teve fortes dores e foi para o hospital, onde foi detectada uma pré-eclampsia, colocando a vida da mãe e do bebê em risco. Por isso, resolveram fazer uma cesariana de urgência”, conta. “Só eu sei o que é ver uma filha precisando de ajuda e não poder fazer nada. Estou com as mãos atadas e indignada com essa situação”, reclama.

Nas duas vezes em que tentou o visto de turista no consulado de São Paulo, Lucy foi perguntada sobre suas condições financeiras para pagar a viagem e teve que apresentar seu extrato bancário. “Não pediram mais nada e simplesmente me entregaram o passaporte e o papel com os termos da seção 214(b)”, diz.

A Section 214(b) refere-se ao fato de que todo estrangeiro é presuposto a ser um imigrante, portanto, para ser aprovado para um visto, o solicitante deve provar seus vínculos com o país de origem e provar não ter interesse em estabelecer residência nos EUA.

“Como mãe, queria muito ir visitar minha filha e conhecer minha netinha, acho que é um direito que tenho. Não vou desistir nunca”, afirma Lucy, que trabalha como confeiteira em casa há 15 anos, é casada e tem outra neta no Brasil.

Tentando um visto A advogada Ingrid Domingues, especializada em casos de imigração no sul da Flórida, explica que cada consulado é diferente e tem suas próprias exigências e requisitos em relação aos vistos. “Quando se for fazer uma solicitação de visto, é sempre bom verificar no website do consulado para ter uma ideia do que vão pedir”, recomenda.

A apresentação de documentos serve para provar os vínculos com o Brasil, mas nem sempre são suficientes. “Em geral, é aconselhável apresentar provas de emprego, declaração de imposto de renda, cópia de escrituras de imóveis e extratos bancários, prova de matrículas escolar para a pessoa ou os filhos, carta do empregador. Entretanto, a decisão de conceder ou não um visto fica a critério total do consulado”, ressalta a advogada.

Quanto aos laços familiares nos EUA, eles podem ter diferentes interpretações pelos cônsules. “Por exemplo, o fato de ter familiares nos EUA pode ser interpretado como uma razão para a pessoa ficar no país. É extremamente difícil saber como um consulado irá interpretar cada pedido de visto. Infelizmente a única maneira de saber se um visto será concedido ou não, com certeza, é fazendo o pedido”.

Vale lembrar, segundo Ingrid, que ter um visto concedido não é garantia de que a pessoa poderá entrar nos Estados Unidos. “Quando chega ao país, ela terá que passar pela Imigração. Neste momento, o oficial irá determinar se a pessoa será ou não admitida. O fato de ter o visto não garante 100% a entrada nos EUA”, completa.