Ensaio sobre as manifestações no Brasil - Pense Green

Por Fernando Rebouças

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No mundo da internet, há dois fenômenos interessantes. Temos o crowdfounding, plataforma pela qual, internautas podem doar pequenos valores em dinheiro que, somados, patrocinam a produção de obras artísticas de músicos, cineastas, desenhistas e criadores de diferentes áreas. O segundo fenômeno é o do ciberativismo, pelo qual diferentes grupos sociais e políticos debatem e expressam suas opiniões a respeito de demandas da nossa atualidade na internet, principalmente, em mídias sociais como o Twitter.

A partir do  início de junho de 2013, testemunhamos no Brasil intensas manifestações nas principais capitais e regiões metropolitanas do país para protestar contra o aumento das passagens de ônibus, trem e metrô; acrescentando reclamações contra o aumento dos alimentos, dos alugueis, e do empobrecimento da qualidade dos serviços públicos no Brasil (saúde, educação, moradia e respeito aos direitos civis).

Sem lideranças unânimes, sem predomínio de grandes partidos políticos, as manifestações surgiram como uma forte onda social nas principais praças e ruas, reunindo milhares de pessoas que compartilhavam uma forte pergunta já presente no consciente coletivo há tempo: “Como um país que financia R$ 20 bilhões para construção de estádios para a Copa 2014, não pode financiar e investir a nossa verba para construção de escolas de alto nível, hospitais de excelência e segurança pública?”.

Nos últimos anos, esse consciente coletivo questionador já estava presente nas mídias sociais através do ciberativismo de diferentes pessoas e grupos que questionavam: “Se o país está ruim agora, imagine na Copa!”. Porém, pessoas de diferentes classes sociais, que há mais de trinta anos criticavam os buracos de nossas estradas, os médicos e professores sem salários, as crianças sem estudo e o baixo respeito que temos recebido de nossos representantes no Congresso Nacional, decidiram ‘vomitar’ de uma só vez numa mesma onda todos os sofrimentos, reclamações e dificuldades sociais que nos castigam. Socialmente, as mídias sociais desceram para o asfalto, assim como uma postagem, cada um grita o que pensa e dá a sua livre contribuição (como num crowdfounding) para construirmos uma obra maior, uma nação.

Nos tempos do Impeachment do Collor (1992), nós, estudantes “carapintadas”, tiramos um presidente através de manifestações pacíficas. Nas atuais manifestações populares, além de expressões pacíficas de estudantes e trabalhadores, está havendo forte ocorrência de violência e saques no decorrer das passeatas, atos causados por subgrupos não identificados como estudantes ou cidadãos comuns, mas como vândalos, bandidos, extremistas políticos e integrantes de “tribos” radicais racistas e xenófobas. Neste paradigma, podemos considerar que, entre 1992 e 2013, a composição da sociedade brasileira mudou. Em 1992, éramos formados por grupos principais  como estudantes, trabalhadores, donas de casa e profissionais liberais. Hoje, além dos grupos tradicionais, convivemos com “tribos” extremistas e bandidas que não querem o diálogo e nem o protesto; querem se expressar pela força da violência, num tom de revolução de rua sem origem e sem sentido, que nos leva a desconfiar sobre a possível manipulação infiltrada de partidos da situação e da oposição nas manifestações para desestabilizar o debate, os governos e cometer crimes contra a sociedade e o patrimônio. Não podemos esquecer ou desmerecer a presença de tribos positivas que compõem a nossa sociedade defendendo direitos civis e debates inovadores como o casamento gay, o respeito ao corpo da mulher e questões relacionadas ao aborto.  Além de reclamar pelo aumento das passagens, os protestos foram se expandindo  com questões gerais e específicas, formando manifestações sem cara e complexas.

As manifestações, além de causas, necessitam assumir maior sentido. Não basta baixar a passagem ou modificar a gestão de nossas verbas, é necessário rediscutir a legislação social brasileira e a nossa postura de cidadão. É necessário exigir penalização aos políticos corruptos e às empresas que os patrocinam nas eleições e nos esquemas de desvio de verba pública. É  necessário exigir melhores serviços públicos para a população, ampliar o financiamento para a construção de moradias, escolas e hospitais, entre outras questões. O Brasil, apesar de ser uma economia forte e  emergente, possui um mercado vulnerável oriundo das nossas fraquezas sociais. Porém, protestar com violência não é protesto. Gritar não é ter voz. Ainda é preciso saber viver. Ensaio de Fernando Rebouças, redator publicitário, webwriter, desenhista e editor. Rio de Janeiro 23 de junho de 2013.