Histórias que machucam e histórias que curam

Por Por ADRIANA TANESE NOGUEIRA

O livro nos leva à viagens inimagináveis.

INKHEART é um filme leve e agradável. Conta como os personagens de livros de ficção entram em nossa realidade quando os livros são lidos por pessoas especiais.

O que é interessante desse filme é que, se é verdade que personagens de livros não se tornam pessoas reais, nem por isso deixam de entrar em nosso mundo.

Palavras têm poder. O que escrevemos tem o poder de trazer para a realidade pensamentos e sentimentos, mas também monstros, traumas, medos e maldade da psique pessoal e coletiva.

Quando ouço que "Ler é importante!", eu concordo, mas logo acrescento mentalmente: O importante é ler os livros certos. Nem tudo vale a pena ser lido - há muito palavreado inútil, manchas pretas sobre páginas brancas que lotam o cérebro e embaçam o pensamento. E, sobretudo, nem todo livro é construtivo. As palavras podem ser destrutivas e causar destruição social, moral, psíquica, emocional...

Livros podem ser perigosos.

Como saber quais? Precisa de critério ou de mentores.

Não é por acaso que na Idade Média se queimavam aqueles livros que não podiam ser lidos pelas massas, pois iriam enchê-las de ideais que elas não saberiam como elaborar e integrar em seu sistema de conhecimento. Pais responsável não dão nas mãos dos filhos qualquer livro, porque sabem que têm coisas que necessitam de amadurecimento emocional e cognitivo para serem adequadamente digeridas.

A verdade é que o pensamento é poderoso.

O pensamento vira realidade, transforma a nossa forma de interpretar a realidade, por isso precisamos estar atentos ao que pensamos e ao que botamos no papel.

Quando o desastre já tiver sido feito, quando a leitura (ou o pensamento) já tiver trazido à tona as sombras, o único jeito de salvar-se é reescrevendo a história.

Esta de contar histórias para a cura é uma perspectiva muito conhecida em psicologia junguiana e pós-junguiana. A terapia é um processo de (re)construção de uma história.

O psicólogo americano James Hillman, considerado o pai da psicologia arquetípica, uma variante pós-junguiana, escreveu um livro sobre a psicoterapia chamado: "As histórias que curam". De fato, é a história que conseguimos contar a nós mesmos (graças à ajuda do terapeuta) que nos cura, pois devolve sentido à nossa vida, e prenuncia assim os caminhos futuros.

...Nem tudo vale a pena ser
lido - há muito palavreado
inútil, manchas pretas sobre
páginas brancas que lotam o cérebro...

As histórias que conseguimos contar em terapia revelam finalmente a trama na qual estávamos presos, aquela malha de relações, (sub)entendimentos, crenças, heranças, experiências que ficou subjacente à vida cotidiana, poluindo a clareza da visão, percepção e compreensão. Sem entender a verdadeira trama do que está e esteve acontecendo, não tem como mudar a história.

As histórias curam porque nelas há porquês. Nelas há o fio da meada, quando muitas vezes nossa vida parece não ter.

Histórias possuem uma finalidade e um caminho, mostram um protagonista que é tanto sujeito que faz a história como objeto que sofre as circunstâncias. Ao nos reconhecermos nos transformamos, nos tornamos verdadeiramente autores responsáveis.

Ao contar nossa história nós a reescrevemos. E assim no filme, a história é reescrita para que todos possam se salvar. Reescrita na hora, de improviso, pela voz espontânea e genuína da menina que restabelece a distinção entre real e ficção, dissolve o mal que havia escapulido a palavra escrita e entrado no mundo concreto, e devolve assim a realidade à ordem - mas um elemento da imaginação permanece com ela.

Sempre fica algo das aventuras do espírito. A superação do caos psíquico deixa um presente. Um elemento que reaviva, renovando a realidade. E assim progredimos.

Livros são essenciais. Sendo o mais importante de se ler aquele que está dentro de você.