Neste ano que começa seja mais intolerante para ser mais humano

Por Por ADRIANA TANESE NOGUEIRA

Intolerância: nem sempre é ruim.

Em medicina a intolerância corresponde a um tipo de alergia a alguma coisa, geralmente um alimento. Tida como termo "feio", a intolerância foi criticada e combatida nas últimas décadas pois ela se manifestou sempre como uma atitude rígida contra uma opinião alheia, uma crença, um hábito, uma escolha. Conhecemos, portanto, a intolerância como uma reação repressora contra o que infringe um sistema de crenças tido como correto.

Os que querem ser de vanguarda, de mente aberta e progressistas, promoveram e lutaram pela tolerância. Luta esta que está longe de ter chegado ao seu fim. Ainda precisamos aprender a tolerar muita coisa: as religiões dos outros, seus costumes e cultura, sua forma de viver, suas decisões. Falta-nos aprender a conviver com o diferente, acolher outros pontos de vista e modos de estar no mundo.

Mas tolerância e intolerância não são bons ou ruins em sua essência. Perguntemo-nos: será que devemos tolerar tudo? Não será a tolerância uma atitude que virou um lugar comum para fechar um olho para o sem lei, sem moral, sem ética, sem valores, sem sentido? Em nome da tolerância, hoje, aceitamos comportamentos inaceitáveis, situações prejudiciais. A tolerância virou uma desculpa para não tomar partido, não se posicionar contra o que não deveria existir. A tolerância como máscara para a hipocrisia de quem simplesmente não se importa ou tem medo, ou é conivente.

Quando permitimos que ocorram situações que ofendem os direitos humanos, a dignidade de uma pessoa, quando fechamos um olho para o que é escancaradamente errado, quando viramos a cara para o que jamais queríamos que acontecesse conosco, não estamos. sendo tolerantes. Estamos sendo inermes. Clamar tolerância nessa hora é fingimento.

A civilização de uma sociedade se mede também pelo seu grau de intolerância. A civilidade inclui uma verdadeira alergia a certos comportamentos, a certas realidades sociais e individuais. Assim com um paladar que foi bem cuidado e experimentou só comida de qualidade tem intolerância para com alimentos de baixa qualidade nutricional e tóxicos, da mesma forma deveríamos, como sociedade, desenvolver intolerância diante da promoção da violência, diante do abuso verbal, físico, emocional, psicológico. Haveríamos de ter peremptoriamente intolerantes diante do comportamento desrespeitoso dos que nos rodeiam. Consequentemente deveríamos nos posicionar não para "eliminar o outro" o que nos coloca na mesma posição contra a qual somos intolerantes, mas no sentido de encontrar formas de transformar essa realidade.

Prova de que a tolerância que vivemos hoje é simulação é o fato que, quanto mais o ódio social é liberado pelos que influenciam a opinião pública, mais cresce o número de atos violentos. É a volta da intolerância que brada antigos preconceitos. O retrocesso se mede quando a intolerância funciona na direção de frear o desenvolvimento humano e social, que inclui a liberdade de ser.

Nossa liberdade termina onde prejudicamos a vida dos outros, caso contrário somos livres e esta nossa liberdade há de ser respeitada. Se é isso que queremos, precisamos desenvolver intolerância para com tudo que nos limita, por exemplo, por abuso e prepotência.

A humanidade demorou muitos séculos para chegar ao nível de civilização que temos hoje. Mas essa conquista não é definitiva. Voltar à barbárie é possível e fácil. Cabe a nós nos mantermos intolerantes contra tudo o que não promove harmonia social junto a liberdade individual. Intolerância contra comportamentos não ideias. Você pode pensar o que quiser, acreditar no que quiser, fazer as escolhas que quiser. Assim como eu. A sua liberdade termina onde começa a minha. E vice-versa. Só assim teremos a chance de construir um mundo de paz e amor.