A Dor do Viver

Por Por ADRIANA TANESE NOGUEIRA

coluna viver bem

Viver é arriscado. Nos coloca diante do desconhecido e da insegurança sobre as nossas escolhas. Inevitavelmente encontramos a dor. A dor do viver não é qualquer dor, como a dor de dente ou a terrível dor dos cálculos renais. A dor do viver é mais como a dor do parto, com momentos de paz e serenidade, entre uma contração e outra, seguidos por agudos sofrimento que atingem em cheio a alma.

Diferente do trabalho de parto não sabemos quando chegará o próximo tapa. Só sabemos que nada está nunca certo e definitivo. E muito menos sabemos de cara o porquê das coisas que nos acontecem. Eis a condição humana.

Diferente ainda das dores do corpo, aquela do viver não tem receita para ser solucionada. Ao contrário, "a cura para a dor está na dor", escreve Rumi. É entrando na dor, é permitindo que ela nos leve até o sentido de sua existência, que se abre para nós uma luz, uma descoberta que permite nosso progredir e assim nos curamos.

A cura está representada pelo nascimento, que são muitos numa única vida: todas as vezes em que nos permitimos mudar, rever modelos mentais, questionar as nossas crenças, assumir mais uma vez o risco do viver: e do errar, e do não saber, e o do perder. O medo de descobrirmos de não sermos capazes, o risco de nos depararmos com a nossa ineptidão, falta de resposta e de atitude. Quem somos nós, afinal? Nos conhecemos?

Escreveu a escritora austríaca do século XIX, Marie von Ebner-Eschenbach, que "A dor é o grande mestre dos homens. Sob seu sopro, as almas se desenvolvem." O sussurro da alma nem sempre é claro e mesmo quando grita a direção a seguir, ainda assim há o mundo a enfrentar. A dor do viver é então o processo de maturação da alma, o lento crescer da luz da consciência, da percepção fina, da visão aguçada, do entendimento purificado de crenças já inúteis e preconceitos já limitantes. Disse Einstein que é mais fácil destruir um átomo do que um preconceito. O processo de transformação de preconceitos dói, pois mentalidades antigas e hábitos resistem à morte mesmo quando, obsoletos, impedem o progredir da vida, bloqueiam o desenvolvimento individual e coletivo. Para que a transição ocorra, é preciso a dor.

Somente grandes almas sabem abarcar a dor do viver. Num coração pequeno, a dor não cabe, pois a dor produz almas fortes, "o caráter mais sólido está coberto por cicatrizes", (Khalil Gibran).

Saber viver a dor sem se afogar nela é das almas grandes que dela renascem mais fortes. Lamentar e se arrastar no sofrimento não é encarar a dor, mas ao contrário é uma forma de fugir da verdadeira dor, é resistência à vida e a seus riscos. Ser requer destemor e, portanto, requer o desenvolvimento da coragem que aceita a empreitada mesmo diante do desconhecido. Segurando a tocha acesa da luz da consciência, como contado num sonho de Jung, empreendemos a jornada. Então a única forma de encarar a dor é, como canta Chico Buarque em "Bom conselho", "ir para rua e beber a tempestade", pois "é inútil dormir que a dor não passa."