A pergunta que não quer calar: Americanas, fraude ou inconsistências contábeis?

Por Claudio Goldberg

A pergunta que não quer calar: Americanas, fraude ou inconsistências contábeis?

Por Nilton Serson, advogado com cursos de especialização em negociação e mercado de capitais em Harvard, e ex-professor da USP E MACKENZIE em Direito Comercial e Societário

Se há Governança Corporativa, como ninguém viu o rombo de R$ 20 bilhões?

Na origem da bombástica notícia que levou a tradicional varejista entrar em regime de recuperação judicial, está a descoberta de um rombo de 20 bilhões no balanço contábil da empresa.

De fato, embora a empresa, uma companhia de capital aberto, seja fiscalizada pela CVM (comissão de valores mobiliários) e auditada por duas das consultorias mais respeitadas do mercado – Pwc e KPMG, ninguém aferiu nada sobre a operação de “risco sacado”.

Serson, explica que o risco sacado, consiste em uma operação de Cessão de Crédito no qual os fornecedores (Cedentes) cedem créditos a receber do Cliente, sem direito de regresso, e antecipam o recebimento dos recursos pelo fornecimento de bens e serviços.

Essa operação tem como público alvo, empresas com alto volume de contas a pagar ou grande relevância na cadeia produtiva de seus fornecedores, que pretendem estender um eficiente programa de obtenção de recursos aos seus fornecedores.

Com efeito, mencionada operação tem outros benefícios para a empresa o alongamento do prazo de pagamento junto aos seus fornecedores; e para os fornecedores a eficiência em custo financeiro no adiantamento de recursos;

O Advogado especialista Nilton Serson, avalia que erros contábeis podem ser mascarados ou difíceis de serem identificados mas um sistema de governança corporativa em tese deveria aumentar o sarrafo de segurança

Não se sabe ainda se o que ocorreu foi uma falha que durou anos ou se houve fraude, mas enquanto se tomam medidas para averiguar com isso aconteceu, o advogado e professor compartilha abaixo considerações relevantes sobre o Compliance.

 

Quais são as principais falhas na Governança corporativa?

Nilton Serson - A Governança corporativa é fundamental na estrutura de qualquer grande organização. Ela permite obter resultados mais eficientes e impede o conflito de interesses entre administradores e stakeholders (acionistas, investidores e demais partes interessadas). Seu mau funcionamento, por outro lado, pode gerar problemas enormes. Por isso, sua empresa precisa conhecer todas as falhas na Governança corporativa para evitá-las desde já.

De uma forma geral posso relacionar abaixo os erros mais cometidos na Governança corporativa:

 

1. Falta de independência do Conselho de Administração

A primeira falha na governança corporativa a se mencionar é a falta de independência do Conselho. A falta de independência do Conselho de Administração pode ocorrer quando os membros do conselho estão fortemente ligados aos acionistas majoritários ou aos executivos da empresa, o que pode levar a uma falta de objetividade e imparcialidade nas decisões tomadas. Isso pode afetar negativamente a governança corporativa e os interesses dos minoritários e acionistas. É importante que os membros do Conselho de Administração sejam independentes para garantir que as decisões sejam tomadas de forma ética e com o melhor interesse da empresa e de seus acionistas. Isto explica em tese, a discussão e atenção sobre o envolvimento dos três homens mais ricos do Brasil.

Um exemplo disso, é o caso do Presidente do Conselho que expressa seus pensamentos antes dos demais conselheiros. Tal prática não é indicada, pois pode despertar um “efeito rebanho” no colegiado.

 

2. Falta de comunicação

Quando falamos sobre falhas na governança corporativa, não podemos deixar de mencionar a falta de comunicação. A falta de comunicação eficaz pode ser uma falha na governança corporativa, pois pode levar a problemas de tomada de decisão, falta de transparência e insuficiência de informação para os acionistas e outros stakeholders. A comunicação eficaz é fundamental para garantir que as informações importantes sejam compartilhadas de maneira clara e precisa, e que haja um fluxo de informação contínuo entre a administração, os acionistas e outros stakeholders. A falta de comunicação pode levar a problemas de confiança e desconfiança entre os diferentes grupos e pode afetar negativamente a performance da empresa.

 

3. Falta de uma matriz de risco

Casos controversos com a fusão da Fibria, ou os escândalos contábeis que ocorreram nas empresas Enron e WorldCom nos Estados Unidos são exemplos interessantes para reflexão e aprendizado e justificam a elaboração de uma Matriz de Riscos.

A Matriz de Riscos elenca as inúmeras ameaças à sua organização, das maiores para as menores e das mais possíveis de acontecer para as menos prováveis. Com essas informações, sua empresa enxergará o que deve fazer para se prevenir de catástrofes e por onde começar. Não ter uma matriz de riscos é uma grave falha na governança corporativa.

 

4. Ausência de transparência de informações

A falta de transparência nas informações na governança corporativa pode levar a uma série de problemas, incluindo a falta de confiança dos investidores, a falta de responsabilidade dos administradores e a falta de confiança no mercado de ações. É importante que as empresas forneçam informações precisas e completas sobre suas operações e desempenho financeiro para permitir que os investidores e outros interessados tomem decisões informadas. Além disso, a transparência também é importante para garantir que os administradores estejam sendo responsáveis e atuando de forma ética.

Isso concede credibilidade ao negócio e fortalece os relacionamentos com os stakeholders. O contrário disso, logicamente, é um equívoco, passível de punições, e enquadra-se dentro das principais falhas na governança corporativa.

5. Ausência de um código de conduta

O Código de Conduta é necessário para estabelecer, de forma clara a todos os colaboradores, o que é permitido ou não nos ambientes da empresa. Ele apresenta categoricamente os limites da atuação de cada integrante da organização. Não o ter é o mesmo que deixar o sucesso de sua empresa reservada ao acaso. Esta á a quinta falha na governança corporativa.

Por isso, é aconselhável que seu empreendimento elabore um Código de Conduta a partir de suas convicções.

6. Pouca ou nenhuma fiscalização interna e externa

As regras e valores de uma empresa se tornam inúteis sem que se tenham fiscalizações do cumprimento desses padrões. É como um professor que fala aos seus alunos para não colarem na prova, mas deixa-os sozinhos fazendo a atividade na sala enquanto vai tomar um cafezinho no refeitório. Por isso, é importante ter o acompanhamento de órgãos responsáveis pelo monitoramento dos processos na sua organização..

7. Falta de normas internas anticorrupção

A corrupção sempre é um elemento presente na Matriz de Riscos. Todos sabem que é errado, mas, ainda assim, continua a acontecer em diversos lugares.

A falta de normas internas anticorrupção na governança corporativa pode levar a problemas significativos para a empresa, incluindo sanções legais e financeiras, danos à reputação e perda de confiança dos investidores e clientes. A corrupção pode afetar a competitividade e a eficiência do mercado, e pode também prejudicar o desenvolvimento socioeconômico de um país. É importante que as empresas estabeleçam normas internas claras e rigorosas para prevenir e detectar a corrupção, e que os administradores e funcionários sejam treinados para cumprir essas normas

8. Falta de segurança na troca de informações

A falta de segurança na troca de informações pode ser um problema significativo no âmbito do compliance, pois pode levar a violações de dados e regulamentações. É importante implementar medidas de segurança adequadas, como criptografia de dados e autenticação de usuários, para garantir que as informações confidenciais sejam protegidas.

Na atualidade, os ataques cibernéticos estão cada vez mais recorrentes, tal como têm tomado a atenção de Conselhos de administração no mundo inteiro.

Grandes fabricantes de software com a SAP, tem engine de governança. São ferramentas voltadas para atender as principais necessidades do dia a dia na gestão de conselhos e comitês. Os melhores portais do mercado contam com criptografia de nível bancário, duplo fator de autenticação, marca d’água, gerenciamento de seções ativas e muitos outros fatores de segurança para o acesso a informações sensíveis. A digitalização da governança é uma tendência com muitos benefícios entre grandes organizações como a Petrobras, Eletrobrás, Banco Itaú, Cyrela e várias outras.

 

9. Falta de preparação prévia dos conselheiros

Neste aspecto, há duas partes que precisam desempenhar suas funções com excelência: o Presidente do Conselho, de um lado, tem o dever de ceder os materiais de estudos para os membros do colegiado com antecedência (de preferência uns 7 dias antes); os conselheiros, do outro, precisam estudar previamente a pauta a ser discutida.

 

10 Falta de integração entre Conselho Fiscal, Comitê de Gestão de Riscos e Auditoria

Sua organização é feita de diversas partes com funções diferentes, mas que se complementam. Uma não funcionaria tão bem sem a outra. O Conselho Fiscal é a parte responsável por monitorar o Conselho de Administração, garantindo que não haja irregularidades e que o colegiado não tome decisões que afetem a empresa. Já o Comitê de Gestão de Riscos e Auditoria trabalha para que a empresa tenha uma visão estratégica voltada para as possibilidades do futuro, tal como analisa cuidadosamente os processos internos da empresa e fornece informações para o Conselho de Administração.

A falta de integração entre o Conselho Fiscal, o Comitê de Gestão de Riscos e a Auditoria pode levar a uma falta de eficiência na gestão de riscos e na tomada de decisões. Pode também dificultar a identificação precoce de problemas e a implementação de medidas corretivas. É importante que esses três órgãos trabalhem de forma colaborativa e compartilhem informações relevantes para garantir uma gestão eficaz dos riscos e uma boa governança corporativa. Desse jeito, a integração entre Conselho Fiscal, Comitê de Gestão de Riscos e Auditoria é algo a ser observado.